quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Licenciamento ambiental federal no Brasil: perspectiva histórica, poder e tomada de decisão em um campo em tensão

 

Permis environnementaux au Brésil : perspective historique, pouvoir et prise de décision sur un terrain en tension
Aline Borges do Carmo e Alessandro Soares da Silva
 

Resumos

O presente trabalho procura analisar a construção do processo de Avaliação de Impactos Ambientais (AIA) e a implementação do instrumento Licenciamento Ambiental no Brasil de uma perspectiva de como a história, a sociedade e a política, além do contexto interno e externo ao país influenciaram no processo de tomada de decisão, que se refletiu e se reflete na definição de políticas públicas no setor. A análise procura compreender a problemática técnica da AIA e do licenciamento ambiental federal no Brasil, passando por um histórico da questão ambiental e pelo surgimento dos principais instrumentos legais afins e por fim abordando as políticas públicas relacionadas à avaliação de impactos ambientais em relação ao contexto social, econômico e político. Para tanto, o trabalho tem como eixo analítico a questão dos processos de tomada de decisão, os quais se relacionam com a produção de sujeitos políticos e com a educação para o poder. A análise mostra que eventos aparentemente externos aos procedimentos executados por técnicos responsáveis pela avaliação dos pedidos de licença ambiental federal influenciam de forma decisiva nos resultados deste trabalho técnico, ainda que de forma nem sempre tão óbvia ou direta, sobretudo para a visão leiga. De modo geral, o artigo propõe que há necessidade de se revisar a forma com que se trata a técnica e as relações humanas durante o processo de AIA. Conclui que ferramentas meramente técnico-científicas, ainda que academicamente bem aceitas podem não ser suficientes para atuar nesta arena e que uma visão mais ampla e que compreenda as sutis relações entre política, relações humanas e procedimentos técnicos deve nortear qualquer tentativa de intervenção visando à melhoria destes procedimentos, tanto da AIA como processo, como do Licenciamento Ambiental como instrumento administrativo. Disso decorre que, apesar do aparente enfoque técnico-científico, ilustrado inclusive pelos estudos ambientais que, em teoria embasam a AIA, a tomada de decisão é na realidade reflexo do jogo político que permeia todo o processo.
 
Français
Cet article analyse la construction de l’outil d’Évaluation des impacts environnementaux (EIE) et l’application de l’instrument « Permis Environnementaux » au Brésil, en considérant l’influence de l’histoire, de la société et de la politique sur les processus décisionnels définis par les politiques publiques du secteur. L’étude vise à comprendre les problèmes techniques de l’EIE, à travers l’histoire des enjeux environnementaux, l’émergence des principaux instruments juridiques et, enfin, les politiques publiques liées à l’évaluation de l’impact environnemental par rapport au contexte socio-économique et politique du Brésil. Par conséquent, ce travail cherche à mieux appréhender les processus de prise de décision qui concernent l’émergence de débats politiques et d’actions éducatrices par le pouvoir. L’analyse montre que les événements apparemment exogènes aux procédures effectuées par des techniciens chargés d’évaluer les demandes de permis environnementaux fédéraux influencent de manière décisive les résultats de ce travail technique, mais il est toutefois difficile d’appréhender tous ces facteurs, surtout pour les éléments non techniques. D’une manière générale, cet article suggère une révision des considérations des enjeux techniques et des relations humaines au cours du processus d’EIE. Il conclut que des outils purement techniques et scientifiques, bien qu’acceptés d’un point de vue académique, peuvent ne pas être suffisant pour agir dans ce domaine et qu’une vision plus large, qui prend en compte les relations subtiles entre la politique, les relations humaines et les procédures techniques, devrait guider toute tentative d’intervention visant à améliorer ces procédures. En dépit de l’approche technico-scientifique apparente, illustré par les études environnementales - en théorie qui sous-tend l’EIE -, la prise de décision est en fait le reflet du jeu politique qui conditionne l’ensemble du processus.
 
English
This paper analyses the construction of the Environmental Impact Assessment procedure and the implementation of the environmental licensing instrument in Brazil from a perspective of history, society, politics and both internal and external contexts that influenced the decision making process, which reflect in the definition of public policies on this area. The analysis attempts to understand the technical issues of the federal environmental licensing in Brazil, throughout the environmental issue history and the emergence of the main related legal instruments and finally approaches the public policies concerned with Environmental Impact Assessment (EIA) regarding the social, economical, and political contexts. Thus, the analytical axis of this paper is the decision making processes, which is related to the production of political subjects and education for the power. The analysis shows that events that are apparently external to the procedures performed by technicians responsible for assessing applications for federal environmental licenses influence in a decisive way the results of this technical work, although this influence is not always so obvious or straightforward, especially for lay views. In general, the article suggests that it is necessary to review the way it treats the technical and human relations during EIA process. The conclusion is that purely technical and scientific tools, although academically well accepted may not be enough to make a difference in this arena and that a broader view that understands the subtle relationships among politics, human relations and technical procedures should guide any attempt at intervention aimed at improving these procedures, both the EIA as a process, and the Environmental Licensing as administrative instrument. From this comes that, despite the apparent technical-scientific approach, illustrated by environmental studies in theory underpinning the EIA, decision-making is actually a reflection of the political game that permeates the entire process.
 

Texto integral

1A questão ambiental está estabelecida, de forma global, em todos os setores do conhecimento, tendo se tornado pauta não só da agenda política de movimentos sociais, mas da agenda pública de governos e Estados. Isso significa que o Governo reconheceu esta questão como política e significativamente relevante ao ponto de compor sua própria agenda, a qual chamamos de agenda pública. Assim, uma agenda pública nasce da luta das diversas agendas políticas de movimentos sociais da sociedade civil e das múltiplas agendas que coexistem no interior de governos e Estados. Os elementos que garantem um reconhecimento político são os que compõem a agenda pública. Nesse sentido, a agenda pública de um Estado ou um governo é uma agenda política, mas que resulta de um processo de negociação amplo, que busca estabelecer um pacto social em torno de questões que respeitam as múltiplas demandas vividas na sociedade e que procura construir resolubilidades para os problemas nela contidos. No campo ambiental, a produção dos pontos que pautam essa agenda pública é também, portanto, atravessada por múltiplas demandas que nem sempre são relativas ao meio ambiente, mas com a dinâmica do capital que orienta a lógica social na contemporaneidade. Ainda assim, este é um assunto sobre o qual se necessita agir, o que garantiu nesses últimos 20 anos um papel de destaque que fez com que a temática adquirisse o status de problema público, que governos e Estados não podem ignorar.
2Há porém, no Brasil, uma lacuna significativa entre a percepção dos problemas ambientais pelos cientistas naturais e pela sociedade e a abordagem destes problemas na agenda pública. Segundo Trajano (2010), a literatura é muito rica em documentos sobre estratégias e diretrizes de conservação ambiental, mas isso não necessariamente se refletiria em ações efetivas, pois a mensagem de que algo precisa ser feito neste sentido não vem atingindo o nível mais importante, que é o da tomada de decisões dentro do governo. Tal tomada de decisões se refletiria na elaboração de políticas públicas as quais abrangessem as recomendações contidas nos documentos e estratégias citados pela autora, o que não vem ocorrendo.
3Este impasse evidencia as várias questões que estão por trás da elaboração e implementação de políticas públicas, sejam elas ambientais ou não. Para Labra (1999), mesmo se fosse possível elaborar uma política “racional”, esta não sobreviveria aos problemas de implementação, o que nem sempre é percebido por setores mais técnicos. De fato, González Suárez (2008) concorda que as teorias aceitas pelas ciências tendem a enxergar o mundo de forma microscópica, ignorando o contexto sócio-cultural e, sobretudo, as estruturas de poder nacionais e internacionais. Isto é fato inclusive para as ciências envolvidas na questão ambiental. Neste contexto, é necessário superar o mero tecnicismo, comum nas ciências naturais, e entender o contexto social (histórico, político, e econômico) que acaba por influir no processo de tomada de decisões que se reflete na elaboração e implementação de políticas públicas.
4Uma definição de “Política Pública” seria “o processo pelo qual os diversos grupos que compõem a sociedade tomam decisões coletivas, as quais afetam o conjunto dessa sociedade” (Rodrigues, 2010, p.13). Isso não se dá sem conflitos, mas a política visa exatamente à resolução destes conflitos de forma pacífica. Para um assunto, problema ou conflito se tornar pauta na agenda pública, como é o caso da questão ambiental, é decisiva a participação dos cidadãos e dos partidos políticos, bem como a interação dos atores envolvidos (públicos e privados) e a possibilidade de participação democrática. Aqui temos clara a dimensão psicopolítica do processo de tomada de decisão que depende de elementos da subjetividade política de cada “tomador de decisão”, no caso o gestor público. Isto é importante porque a gestão é eminentemente ação política e esta depende da ação de atores sociais individuais e coletivos (Costa, 2012). Esta questão pode compor, na psicologia política, os estudos “das situações de pressão, do conflito e da negociação e dos efeitos do primeiro e dos fatores psicológicos da segunda (...) [, mas também os estudos da] ideologia como fenômeno político, instrumento e processo de mediação, com seu correlato de alienação e seus efeitos em sociedades e indivíduos” (Montero & Dorna, 1993, p.10).
5O debate sobre quem estaria por trás das tomadas de decisões que culminam nas políticas públicas não é novo e teve início no período anterior da própria constituição das políticas públicas como área de conhecimento específico (Rodrigues, 2010). A busca por explicação sobre por que motivo determinadas políticas públicas são adotadas em detrimento de outras e por que o Governo está agindo de uma forma em detrimento de outra, pode nos ajudar a compreender melhor não só a sociedade em que vivemos, mas também as causas e conseqüências das decisões públicas (Rodrigues, 2010). Neste sentido, é importante entender que as políticas públicas são adotadas num determinado momento e dentro de um determinado contexto, que o governo tem poder político para tomar decisões de acordo com as preferências e interesses dos diversos atores e que, em um governo democrático, tais preferências e interesses são permanentemente negociados. Entender as peculiaridades deste processo é o primeiro passo para agir e prol da melhoria das políticas públicas ambientais num contexto de uma democracia imperfeita, em que alguns atores tem mais poder que outros.
6Desta forma, este trabalho pretende analisar a construção da definição do processo de Avaliação de Impactos Ambientais e a implementação do instrumento Licenciamento Ambiental no Brasil de uma perspectiva mais ampla que a técnica, analisando, por um lado, como a história e o contexto social, econômico e político interno e externo ao país influenciaram no processo de tomada de decisão, que se refletiu e se reflete na definição de políticas públicas no setor e por outro os contextos subjetivos que orientam a ação dos agentes decisores. Ainda que o escopo deste trabalho possa soar ambicioso, importa dizer que não é nossa intenção, ou mesmo pretensão, aportar aqui soluções mágicas para problemas no mínimo crônicos existentes no campo ambiental; não é nossa intenção esgotar as análises necessárias para o enfrentamento das questões aqui levantadas. Mas é nossa intenção contribuir de modo sólido para a discussão das problemáticas decorrentes do exercício cotidiano da Avaliação de Impactos Ambientais de projetos.
7No que tange aos aspectos metodológicos, destacamos que este manuscrito resulta de uma análise qualitativa das legislações ambientais federais e procedimentos internos do órgão ambiental federal- IBAMA- Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, bem como de uma revisão de literatura que nos propiciou as condições analíticas necessárias para pensarmos a avaliação de políticas ambientais na atualidade. Nossa análise se deu com base nas ponderações de Ignácio Martín-Baró (1991) e Maritza Montero (1999, 2009) acerca do que seria o método e os níveis de análise possíveis desde a Psicologia Política. Estes, por sua vez, são aplicados ao campo das políticas públicas, inaugurando um enfoque psicopolítico, como se pode ver em trabalhos de Eda Tassara, José Oliveira, e Vanessa Batista (2007); Eda Tassara e Omar Ardams (2008); Marcelo Calegare (2010) e Alessandro Soares da Silva (2012). No campo da análise de políticas públicas ambientais, entendemos que a perspectiva psicopolítica da análise de políticas públicas pode agregar uma dimensão humanizadora de processos avaliativos, os quais podem vir a contribuir na elucidação de conflitos entre a técnica e o ser humano.

Problemática da avaliação de impactos ambientais e do licenciamento ambiental federal no Brasil

8O surgimento do conceito de Avaliação de Impactos Ambientais data da década de 70, nos Estados Unidos. Devido à pressão da opinião pública sobre o governo para que o mesmo aceitasse sua parcela de responsabilidade pelas atividades desenvolvidas por suas próprias agências, foi criada a NEPA – National Environmental Policy Act, em 1970 (Sánchez, 2008). Esta foi a base para o desenvolvimento do mecanismo que ficou conhecido mundialmente como AIA – Avaliação de Impactos Ambientais.
9A AIA foi formalmente introduzida no Brasil pela Política Nacional de Meio Ambiente, instituída na Lei n 6938, de 31 de agosto de 1981, que elegeu dentre as ações preventivas a Avaliação de Impactos Ambientais e o licenciamento para a instalação de obras ou atividades potencialmente poluidoras. O processo de AIA deve identificar e avaliar os impactos potenciais benéficos ou negativos de projetos ao ambiente, levando em consideração aspectos ecológicos, sociais, culturais e até estéticos. Deve ser levado em conta também como o projeto avaliado vai afetar pessoas, os locais que elas habitam e o seu modo de vida.
10Apenas anos depois de promulgada a Política Nacional do Meio Ambiente, as definições, responsabilidades, critérios básicos e diretrizes gerais sobre a AIA foram disciplinadas através da Resolução Conama 001/1986 (Assunção, Bursztyn e Abreu , 2010). Segundo os autores, esta norma vinculou a aplicação da AIA ao instrumento licenciamento ambiental, o que teria causado uma redução de sua abrangência, ao ser exigida apenas para determinados empreendimentos/atividades (projetos), deixando de lado planos, programas e políticas.
  • 1 O uso do termo “ambiental”, e não “socioambiental” é proposital, e implica necessariamente a dime (...)
11A principal norma referente ao instrumento licenciamento ambiental no Brasil é a Resolução CONAMA 237, datando de 19 de dezembro de 1997. Segundo esta norma, a competência do licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos de grande porte (que envolvam mais de um Estado), além da totalidade daqueles localizados no mar territorial, na plataforma continental e na zona econômica exclusiva cabe ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), órgão executivo federal do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA). O licenciamento ambiental, portanto, é o instrumento processual através do qual se dá a Avaliação de Impactos Ambientais de projetos. Trata-se de uma etapa essencial, devendo ocorrer em uma fase anterior a qualquer empreendimento de grande porte para assegurar que impactos potenciais sejam identificados e que os danos sejam mitigados ou compensados. Qualquer ação em prol do desenvolvimento requer não apenas uma análise da real necessidade de tal projeto e dos custos e benefícios econômicos envolvidos, mas, tão importante quanto, requer o estudo e análise da viabilidade ambiental1 dos mesmos.
12Este processo tem sido objeto de intensa controvérsia no Brasil envolvendo tanto aqueles para quem os requerimentos excessivos e a demora no processo de licenciamento são responsáveis pela demora de execução de importantes obras de infra-estrutura, como os que defendem que as licenças são concedidas por pressões econômicas e políticas em detrimento de relevantes questões ambientais.
13Para Oliveira & Bursztyn (2001), um dos principais problemas da AIA seria a sobreposição de interesses políticos às conclusões contidas nos estudos ambientais que subsidiam este processo. Egler (1998) apontou problemas relacionados a deficiências de infra-estrutura e pessoal no IBAMA para a condução do processo de AIA, enfatizando que melhorias qualitativas e quantitativas eram requeridas. Isso é corroborado pelo trabalho de Glassom & Salvador (2000), que aponta como fragilidades o processo burocrático e facilmente manipulável por pressões políticas e econômicas que envolve a aprovação dos Estudos de Impacto Ambiental, bem como a falta de regulamentações secundárias, de mão de obra treinada para análise e de infra-estrutura.
14É fato que o corpo técnico responsável pela análise de processos de licenciamento ambiental sofreu um incremento numérico devido aos três concursos públicos realizados pelo IBAMA nos anos de 2002, 2005 e 2008. As legislações referentes ao tema Licenciamento Ambiental, conforme dito anteriormente, também foram aprimoradas desde o surgimento da Avaliação de Impactos Ambientais no Brasil, como instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, em 1981, conforme ilustrado pela Imagem 1.

Imagem 1- Linha do tempo ilustrando a evolução das legislações e instituições relacionadas ao licenciamento ambiental federal
Imagem 1- Linha do tempo ilustrando a evolução das legislações e instituições relacionadas ao licenciamento ambiental federal
(adaptado de Forattini, 2011)
(Esta evolução será explicada com maior detalhamento na seção 2- Histórico e discussões acerca da questão ambiental no Brasil e surgimento dos principais instrumentos legais referentes ao tema.)
15Por outro lado, a demanda de análises de pedidos de concessão de licenças ambientais ao longo deste período aumentou significativamente, de forma que enquanto no ano de 2002 o órgão federal recebeu 464 processos para análise, este número saltou para 1675 processos no ano de 2010 , conforme ilustrado na Imagem 2.

Imagem 2- Gráfico com o número de processos de solicitação de licenças ambientais abertos por ano, desde a criação do IBAMA
Imagem 2- Gráfico com o número de processos de solicitação de licenças ambientais abertos por ano, desde a criação do IBAMA
16Novas legislações referentes ao tema acabaram de ser editadas em que se verifica uma preocupação em se padronizar os procedimentos de análise de pedidos de concessão de licenças ambientais, bem como diminuir os prazos de emissão de licença. Certamente estas duas necessidades são importantes em um momento de grande crescimento econômico e de demanda por grandes obras. Entretanto, mais que nunca se torna necessária a determinação da viabilidade ambiental destes empreendimentos, de forma que o processo de AIA tem que estar sob permanente avaliação e aperfeiçoamento para que seja mais ágil sem deixar de atingir seus objetivos.

Histórico e discussões acerca da questão ambiental no Brasil e surgimento dos principais instrumentos legais referentes ao tema

17A preocupação com os impactos das ações do ser humano sobre o ambiente é uma temática antiga, sendo mencionada desde a civilização grega, na época de Aristóteles (Santos, 2004). Entretanto, foi após a Revolução Industrial e da época das grandes descobertas no campo da História Natural que os conflitos existentes na relação homem-ambiente tornaram-se mais evidentes.
18Mais recentemente, nas décadas de 1950 e 1960, após um intenso movimento popular de protesto contra a forma de desenvolvimento e os padrões de consumo vigentes, começaram a surgir propostas de gerenciamento dos recursos naturais, através de mecanismos de comando e controle, que se refletiram principalmente na elaboração de instrumentos legais. Em 1968 ocorreu uma reunião tratando sobre o tema, mundialmente conhecida como “Clube de Roma”, que, além de chamar atenção da sociedade, passou a pressionar ainda mais os governos acerca da questão ambiental, o que acabou por impulsionar a criação do NEPA (National Environmental Policy Act) nos Estados Unidos, ao qual se seguiram diversas legislações também em outros países.
19A NEPA surgiu da preocupação com os impactos ambientais resultantes da implantação pelo governo de grandes obras de infra-estrutura. Durante quase vinte anos foi discutida no Congresso Americano a necessidade de estudos de impacto ambiental em grandes obras, e durante estas décadas a idéia passou a ser debatida também em outros países (Santos, 2004). Nesse contexto, a Avaliação de Impactos Ambientais (AIA) surgiu como um instrumento do processo de tomada de decisão que visa a estimular a consideração de fatores ambientais no planejamento e tomada de decisão, de modo que as ações, públicas e privadas, implementadas sejam mais compatíveis com o meio ambiente.
20O Brasil, nesta mesma época, vivia uma fase de governos militares (1964 a 1985), e é este momento político-histórico emblemático que tem os elementos fundamentais para compreender o nascimento das políticas públicas exclusivamente ambientais nacionais e seus desdobramentos até o momento atual. Este período foi marcado por uma ausência de uma construção interna consistente nas políticas públicas ambientais, aliada com um papel decisivo de pressões externas (Pagnoccheschi & Bernardo, 2006).
21Nesta mesma época ocorreu ainda a Primeira Conferência Mundial sobre o Homem e o Meio Ambiente, conhecida como Conferência de Estocolmo, em 1972, que envolveu os representantes das Nações Unidas, permitindo o comparecimento de grupos, segmentos e pessoas das ONGs ambientalistas de várias partes do mundo. O evento também marcou a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e o incentivo aos países participantes em criarem instituições nacionais responsáveis pela questão ambiental (Pagnoccheschi & Bernardo, 2006). Assim, em 1973, foi criada a Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA). Além disso, a Conferência acabou por dar maior visibilidade ao ainda incipiente movimento ambientalista brasileiro, que se fortaleceu, com a multiplicação de ONGs ligadas ao tema e a interlocução das mesmas e da comunidade científica com o governo.
22A SEMA foi o primeiro órgão federal com atribuição específica para tratar de questões ambientais no Brasil (Pagnoccheschi & Bernardo, 2006), e era ligada ao Ministério do Interior. Começou sua atuação de forma bastante tímida, com pouco poder de interlocução e equipe técnica reduzida, tratando principalmente de temas ligados ao combate à poluição, bastante em evidência devido aos problemas enfrentados em São Paulo e no Rio Grande do Sul, e à aquisição de áreas para a criação de Estações Ecológicas, categoria de Unidade de Conservação de uso indireto (que não permite a presença humana). A atuação desta entidade foi marcada por dificuldades de integração, se mantendo como uma espécie de enclave do movimento ambientalista dentro do governo, com alcance restrito às chamadas ações de comando e controle, mas sem acesso às políticas setoriais de grande impacto ambiental, como agricultura, energia e infra-estrutura (Pagnoccheschi & Bernardo, 2006).
23Além disso, começaram a ser elaborados marcos legais sobre o tema, culminando na edição da Política Nacional do Meio Ambiente, contida na Lei nº6938, em 31 de agosto de 1981 (vide Imagem 1). Dois dos instrumentos para a execução da referida política citado nesta lei foi a Avaliação de Impactos Ambientais e o licenciamento das atividades efetiva ou potencialmente poluidoras. A AIA no Brasil já ocorria de forma não regulamentada desde a década anterior, em função da exigência de órgãos financiadores internacionais, sendo apenas posteriormente incluída como um dos instrumentos de execução da Política Nacional do Meio Ambiente (Rohde, 2006).
24Em 1986 foi editada, no âmbito da AIA, a Resolução CONAMA nº01 de 23 de janeiro de 1986 (Imagem 1), a qual estabeleceu as definições, as responsabilidades, os critérios básicos e as diretrizes gerais para uso e implementação da Avaliação de Impactos Ambientais. Esse marco regulatório foi muito importante uma vez que, na prática, a AIA já estava sendo feita em muitos projetos sem, no entanto, haver um dispositivo legal no qual os técnicos envolvidos no processo pudessem se embasar.
25Em 1987 foi apresentado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento o Relatório Brundtland, ou “Nosso Futuro Comum”, o qual oficializou o termo “desenvolvimento sustentável”, definido como aquele que atende às necessidades das gerações atuais sem prejudicar o atendimento às gerações futuras. Este documento enfatizou a importância do planejamento na área ambiental e deixou claro que não poderia existir desenvolvimento desvinculado das questões ambientais. A partir de então, a questão ambiental deixou de ser vista de forma fragmentada e passou a, aos poucos, ser encarada como temática global, com responsabilidade e interesse tanto de países desenvolvidos, como dos em desenvolvimento.
26Foi neste cenário internacional que a Assembléia Constituinte no Brasil passou a discutir o tema “Meio Ambiente”. Após a redemocratização, houve um período de consolidação das políticas públicas ambientais brasileiras, com a existência na nova Constituição de um capítulo inteiro voltado para o meio ambiente, da inovadora responsabilidade compartilhada entre o Poder Público e a coletividade sobre a defesa ambiental, bem como as competências de todos os entes da federação (União, Estados e Municípios) para proteger o meio ambiente e legislar sobre ele.
27O novo governo implantou então, em 1989, o programa chamado “Nossa Natureza”, com uma série de medidas relevantes, entre elas a que reformulou institucionalmente a área ambiental, com a criação do IBAMA- Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Imagem 1). A nova autarquia, com a missão de ser o órgão executor da Política Nacional do Meio Ambiente, surgiu da fusão da antiga SEMA com 3 órgãos de fomento à produção: o IBDF (Instituto Brasileiro do Desenvolvimento Florestal), a SUDEPE (Superintendência do Desenvolvimento da Pesca) e a SUDHEVEA (Superintendência do Desenvolvimento da Borracha).
28O ano de 1992 representou um momento histórico para a questão ambiental no Brasil, com a realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento no Rio de Janeiro, conhecida como Rio-92. Este evento representou a consolidação da rede do movimento ambientalista brasileiro, e marcou a consagração do chamado “socioambientalismo”, com uma mudança de ideologia a respeito de questões ambientais, passando de uma visão de principalmente de controle de poluição e estabelecimento de áreas protegidas (normalmente sem a presença humana) para uma visão de desenvolvimento econômico e “socioambiental”. Isso significa que o social estaria implicitamente presente no ambiental, sendo ambos indissociáveis, devendo ser levados conjuntamente em consideração na compreensão de problemas e busca de soluções pelas políticas públicas. Houve ainda um crescimento na atuação das ONGs em todo espectro de políticas públicas, destacando-se a área ambiental (Pagnoccheschi & Bernardo, 2006).
29Ainda no final do ano de 1992 foi criado o Ministério do Meio Ambiente, com a missão de promover a inserção do conceito de desenvolvimento sustentável na formulação e na implementação de políticas públicas. Entretanto, desde sua criação, este Ministério teve a atuação muito prejudicada pela falta de recursos e de espaço de debate junto a outros ministérios mais poderosos. O IBAMA, que tinha uma atuação mais consolidada, ficou subordinado ao MMA, sendo que as atribuições destes dois órgãos até os dias de hoje ainda não estão estabilizadas, com a relação formulador-executor bastante confusa.
30A Resolução 237 do CONAMA, editada em 1997 (Imagem 1), revisou o sistema de Avaliação de Impactos Ambientais, efetivando o licenciamento ambiental de projetos como instrumento de gestão ambiental, conforme já instituído desde 1981, pela Política Nacional do Meio Ambiente (Rohde, 2006). Essa norma definiu critérios e prazos para a análise de Estudos de Impacto Ambiental, consagrando o licenciamento ambiental como procedimento administrativo a ser adotado por técnicos dos órgãos ambientais na análise de projetos.
31A partir de 1998, tendo alcançado a estabilidade econômica após sucessivas crises, o Brasil passou por um período de crescimento econômico e melhoria nas condições sociais, com grande parte da população ascendendo socialmente e tendo acesso a um nível de consumo muito mais elevado. Teve início também, sobretudo a partir de 2002, um período de grandes obras de infra-estrutura. Ao mesmo tempo, o IBAMA teve um incremento na sua mão-de-obra com os únicos concursos públicos para provimento de cargos técnicos do órgão, realizados nos anos de 2002, 2005 e 2008.
32O incremento de mão-de-obra e na qualificação nos quadros do órgão ambiental federal licenciador resultou na aplicação mais efetiva da legislação já existente, considerada uma das mais restritivas do mundo. A análise mais criteriosa dos pedidos de concessão de licenças ambientais trouxe à tona as fragilidades dos estudos existentes, e colocou em dúvida qual seria o limite de atuação do órgão ambiental em termos de solicitações de complementações e condicionantes. Desta forma, foi editada em 2011 uma série de Portarias a respeito do licenciamento ambiental estabelecendo critérios e limites na análise dos pedidos de concessão de licenças, de forma a agilizar e baratear o processo para os empreendedores (Imagem 1).
33Em relação à dinâmica dos órgãos ambientais, começou a haver uma descentralização de competências da União para os demais entes federativos, em consonância com a Constituição Federal de 1988. Aproveitando-se da atuação crescente de alguns estados e municípios na área ambiental, muitos escritórios regionais do IBAMA foram fechados e muitas competências foram delegadas por meio de convênios. Paralelamente, vem ocorrendo um processo de reorganização da gestão ambiental federal, com a criação de outros órgãos e entidades ou a transferência da competências do IBAMA para outros órgãos. Deste processo fazem parte a Agência Nacional de Águas - ANA, o Ministério da Pesca, o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade –ICMBio (Imagem 1), e o Serviço Florestal Brasileiro - SFB, cada qual levando consigo, quando criado, parte das atribuições que eram do IBAMA.
34Desta forma, tem havido muitas polêmicas sobre o enfraquecimento na forma da perda de atribuições por parte do IBAMA. O entendimento do momento histórico atual pode contribuir para esclarecer como tem se dado estas tomadas de decisão que tem se refletido diretamente na mudança de rumo das políticas públicas ambientais, e também nas condições de execução do trabalho cotidiano dos técnicos da instituição. Destes aspectos conjunturais produtores de contextos e situações é que surgem tensões, conflitos e disputas de poder intra-institucionais e interinstitucionais que se refletem indubitavelmente no processo de formulação, avaliação e monitoramento de políticas públicas no campo ambiental e em suas dimensões micropolíticas. Ou seja, na ponta da ação pública realizada pelos agentes responsáveis pela execução das AIAs, pela análise das solicitações de licenciamento e, portanto, pela negociação dos conflitos sociais inerentes aos processos contidos na própria AIA.
35Ao analisarmos a dinâmica em torno da legislação ambiental e as instituições federais responsáveis pela gestão ambiental, podem-se perceber momentos distintos, muito relacionados aos momentos históricos, envolvendo economia, sociedade e pressões políticas internas e externas. Estes momentos estão descritos resumidamente na Quadro 1, que busca ilustrar as diferentes características destes momentos, as legislações criadas e a dinâmica das instituições.
Quadro 1- Tabela ilustrando as características principais de 3 momentos históricos da questão ambiental no Brasil
Período militar
Assembléia constituinte até 1998
1998-atual
Percepção dos problemas ambientais
-Problemas eram vistos como pontuais;
-Poluição nas grandes cidades;
-Necessidade de criação de Unidades de Conservação sem a presença humana.
-A partir de Bruntdland, problemas são vistos como globais;
-Desmatamento na Amazônia e perda da biodiversidade;
-Visão sócio-ambiental- homem inserido no meio ambiente.
-Aquecimento global e perda de habitats;
-Economia ambiental- valoração econômica dos recursos naturais.
Cenário político-econômico-social
- Governo autoritário, com pouca ou nenhuma participação popular;
-Maioria da população sem acesso a bens de consumo;
-Início do movimento ambientalista, ainda com visão romântica e idéias de separação homem-natureza.
-Clube de Roma, Conferência de Estocolmo.
-Democratização, com maior participação popular;
-Multiplicação de ONGs sócio-ambientalistas;
-Transição entre crise e estabilidade econômica;
-Brundtland- Nosso Futuro Comum, surgimento do conceito de Desenvolvimento Sustentável e Rio-92.
-Estabilidade e crescimento econômico;
-Ascensão de grande parte da população e acesso a bens de consumo;
-Grandes obras de infra-estrutura;
-Expansão do agronegócio e exploração de petróleo;
-Kyoto, Rio + 10, Rio +20.
Principais legislações ligadas ao licenciamento ambiental
-Política Nacional do Meio Ambiente e Res. CONAMA 01/86
-Resolução CONAMA 237/97 e Lei de Crimes Ambientais.
-Novo Código Florestal (2012), Lei Complementar 140 e Novas Portarias do IBAMA de outubro de 2011
Dinâmica das instituições
-Criação da SEMA, ligada ao ministério do Interior.
-Criação do IBAMA, com a junção da SEMA, IBDF, SUDEPE e SUDHEVEA;
-Criação do MMA posteriormente à criação do IBAMA.
-Descentralização da gestão ambiental;
-Divisão do IBAMA, com a criação do ICMBio, SFB e ANA.
(adaptado de Neder, 2002)

Conflitos, Negociação e Territorialidades Subjetivas

36Tratar de processos de negociação nos leva necessariamente ao tema dos conflitos e das territorialidades subjetivas que ordenam o conflito. A partir desta premissa, entendemos que num processo de construção coletiva de um instrumento de gestão de uma política ambiental como a AIA a negociação política e temas relacionados a ele, como conflito, papéis dos atores e relações de força, estratégias de ação e métodos de influência, desempenham uma função central na própria gestão. Nesse marco, pensar em territorialidades subjetivas nos permite entender os espaços objetivos e subjetivos da negociação dos conflitos e das tomadas de decisão. A esse respeito Moura, Ultramani e Cardoso (1994) e Trindade Junior (1998) afirmam que a noção de territorialidades subjetivas refere-se à delimitação de interesses não-formais, por meio dos quais seus agentes definem seus raios de ação em limites subjetivos, sem a necessidade de demarcações sólidas, asseguradas institucionalmente, e que em geral surgem a partir de identidades que expressam suas territorialidades através da prática espacial.
37As territorialidades subjetivas, então, dependem de processos materiais e estabelecem mediante a relação com o espaço e o espaço simbólico, atribuições de sentidos que ordenam as relações de sujeitos e pautam posições identitárias, as quais passam permanentemente por negociações e por situações conflitivas. Este fato atravessa a realidade, no caso da gestão, e a ação dos sujeitos, no caso, dos gestores ambientais. Vale recordar que
38O conflito é frequentemente a máscara que esconde as relações de dominação e de exclusão, escreveram Michel Callon, Pierre Lascoumes e Yannick Barthe. Nós não aprofundaremos a democracia buscando acordo custe o que custar. A política é a arte de tratar dos desacordos, dos conflitos, das oposições e, por que não, que as faz surgir, incentivar, multiplicar, pois é assim que os caminhos inesperados se abrem, que as possibilidades se multiplicam (Thuderoz, 2010, p. 19).
39Tratar os desacordos implica em negociar. Para Graciela Mota (2006), a negociação política resulta de um processo coletivo, pois negociar implica no debate de argumentos posto à disposição dos implicados, o que faz da negociação uma ferramenta política de persuasão. É ela que opera frente e para a resolubilização de conflitos de modo democrático ou, ao menos, menos autoritário, menos fundado na força e no poder de quem se impõem sem diálogo.
40Nesse sentido, a autora aponta que negociar é
41Compreender a negociação na contemporaneidade implica em superar a visão corrente de algo relativo somente à diplomacia, ao comércio ou às relações de trabalho. A negociação é, portanto, um mecanismo de decisão, uma atividade social dotada de intencionalidade e com uma perspectiva processual. Thuderoz (2010) destaca que negociar envolve indivíduos e suas vontades, seus afetos; estratégias de ação; interesses que, as vezes se aproximam, as vezes se afastam. Mas negociar também envolve cálculos sobre a utilidade das ações, uma avaliação de recursos disponíveis e das oportunidades que surgem e que abrem possibilidades de pressão e de resolubilização de conflitos. Portanto, a negociação mobiliza recursos psicológicos, técnicos, normativos e éticos, pois a ação de negociar está em primeiro plano e traz em si a necessidade de comprometer-se com o outro, de decidir com ele, de estabelecer um compromisso. Assim,
42A negociação, no campo ambiental, necessita conduzir a um acordo entre as partes, e, desta feita, não pode ser decorrente de um esquema de imposição. É preciso que haja a livre aceitação do acordo, visto que “Todas as decisões tomadas em uma estrutura de negociação são, portanto, coletivas, onde as partes se entendem voluntariamente e em conjunto, depois de ter examinado, de maneira mais ou menos conflitiva, outras ações possíveis” (Thuderoz, 2010, p. 42).

Poder e tomada de decisão na área ambiental: considerações psicopolíticas de um campo em tensão

43O quadro ilustrado nas seções anteriores mostrou uma análise das políticas públicas hoje vigentes na área do licenciamento ambiental que vai além de questões meramente técnicas. Conforme enfatizado anteriormente, a análise de qualquer política pública evidencia que a inclusão ou a exclusão de um assunto da agenda pública pode sofrer variações de acordo com o ativismo dos cidadãos e partidos políticos, com a ideologia social e com a interação dos atores, sendo que a possibilidade de participação democrática nem sempre é igualitária.
44O surgimento da preocupação ambiental moderna no Brasil deu-se durante o período do governo militar e a inclusão desta questão na agenda política sempre esteve ligada a fortes pressões de grupos de interesse externos ao país e a indivíduos que possuem nível educacional elevado e de origem urbana. Assim, as primeiras políticas públicas voltadas para o processo de Avaliação de Impactos Ambientais passaram a existir neste contexto. Como a visão de meio ambiente nesta época ainda era fragmentada, deu-se ênfase à avaliação de impactos de projetos, em detrimento à avaliação de políticas, planos e programas do governo. De fato, muitos dos problemas ambientais e de desenvolvimento surgem da fragmentação setorial das ações públicas, sendo necessário, portanto, a adoção de medidas mais integradas e coordenadas no contexto do processo de tomada de decisão para as ações estabelecidas em determinado país, região ou localidade (Oliveira & Bursztin, 2001). Egler (1998, p.153) ainda sugere outro aspecto a ser considerado:
45Outro elemento que pode impor sérias restrições a tentativas de melhorias deste processo [de Avaliação de Impactos Ambientais] é a atual tendência internacional, que enfatiza a redução do tamanho e funções do Estado na economia. De acordo com esse modelo, as funções do Estado deveriam ser reduzidas ao mínimo desempenho fisiológico das atividades de defesa, justiça e polícia, essencialmente à garantia da soberania nacional; as demais atividades seriam reguladas pelo mercado. No entanto, a inserção das atividades de integração e de coordenação nos processos de formulação e de implementação de políticas, planos e programas, é uma função do Estado. Nesse sentido, essa tendência pode comprometer seriamente a atividade de coordenação das ações públicas.
46Mais recentemente, após sucessivas crises, e com uma certa estabilidade econômica, houve um período de crescimento e melhoria nas condições sociais, com grande parte da população ascendendo socialmente e tendo acesso a um nível de consumo muito mais elevado. Isso se refletiu numa demanda crescente de análises de pedidos de concessão de licenças ambientais em nível federal. Desta forma, foi necessário um incremento na mão-de-obra no órgão ambiental federal (IBAMA), resultando na realização de concursos públicos.
47O incremento de mão-de-obra e na qualificação nos quadros do órgão ambiental federal licenciador resultou na aplicação mais efetiva da legislação já existente, o que significou um empecilho real para o crescimento econômico baseado na realização de grandes empreendimentos. A análise mais criteriosa dos pedidos de concessão de licenças ambientais trouxe à tona as fragilidades dos estudos existentes, e do próprio processo de avaliação de impactos ambientais, voltado apenas para projetos. Isso, aliado às ingerências internas entre IBAMA e Ministério do Meio Ambiente (MMA), e do próprio relacionamento entre o MMA e Ministérios com mais poder se refletiu em afirmações de o órgão ambiental tentaria emperrar o desenvolvimento, colocando em dúvida qual seriam os limites de atuação do mesmo. Este processo complexo, no qual fatores externos afetam direta e indiretamente o processo de formulação, implementação e avaliação de políticas públicas ligadas ao licenciamento ambiental, está ilustrado na Imagem 3.

Imagem 3- Representação esquemática dos aspectos externos que interferem na elaboração, formulação e implementação das políticas públicas ligadas ao licenciamento ambiental.
Imagem 3- Representação esquemática dos aspectos externos que interferem na elaboração, formulação e implementação das políticas públicas ligadas ao licenciamento ambiental.
48A criação do ICMBio, com o conseqüente enfraquecimento do IBAMA, foi emblemática neste processo, uma vez que tal medida foi na verdade uma conseqüência do impasse envolvendo o licenciamento ambiental de duas usinas hidrelétricas na Amazônia (Zhouri, 2008). A usina de Belo Monte (Imagem 4), outro caso emblemático, é um claro exemplo de como interesses políticos, muitas vezes, se sobrepõem à análise técnica, de forma que ocorre degradação ambiental e contradição dos interesses da população mesmo em obras licenciadas.

Imagem 4- Fotos tiradas pela Organização Não Governamental Greenpeace no canteiro de obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, licenciada pelo IBAMA, ilustrando diversos flagrantes de degradação ambiental causada pela obra.
Imagem 4- Fotos tiradas pela Organização Não Governamental Greenpeace no canteiro de obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, licenciada pelo IBAMA, ilustrando diversos flagrantes de degradação ambiental causada pela obra.
49Ao mesmo tempo em que há o claro enfraquecimento do principal órgão executor da Política Nacional do Meio Ambiente, há paradoxalmente um discurso que prega a sustentabilidade, aproveitando-se da posição do Brasil de país megadiverso, como se esta posição fosse um atestado de boas políticas públicas no setor. Sobre isso, Pierre Charaudeau (2006, p.56) relata o seguinte:
50Em certos âmbitos acadêmicos, tem havido preocupação de setores ligados à ciência sobre a necessária determinação da viabilidade ambiental de grandes empreendimentos, de forma que o aperfeiçoamento do processo de AIA deveria se pautar numa avaliação técnica permanente, que permitisse uma maior agilidade sem deixar de atingir seus objetivos primordiais. Entretanto, estas preocupações nem sempre são levadas em consideração e não chegam ao conhecimento do grande público.
51Nas seções anteriores fica claro que os principais grupos de interesse que conseguem interferir na arena política ambiental, em geral, são indivíduos de boa condição social e com interesses econômicos que, diante de pressões internas ou externas, favorecem a transformação dos problemas ambientais em questões de agenda das políticas públicas . Tal cenário evidencia que, numa arena dessa natureza, grupos minoritários como cientistas acabam não tendo visibilidade e suas questões não são incorporadas na agenda pública.
52Para Porto-Gonçalves (1988), a ciência e a técnica são sempre instituídas socialmente, e a relação sociedade-natureza se faz mediada pelo agir comunicativo e relações inter-pessoais subjetivas com fins sócio-historicamente determinados, onde a razão técnico-científica não tem plena autoridade para decidir. Desta forma, o aumento de produção e o lucro, além do arraigado conceito de propriedade privada, fatalmente limitam os resultados de técnicas e propostas de cientistas, e o próprio sistema limitaria as possibilidades de utilização destas técnicas quando o modelo de desenvolvimento estivesse em jogo. A técnica é apenas um aspecto da crise ambiental, e este aspecto encontra-se obrigatoriamente subordinado a aspectos sociais no seu sentido mais amplo, que abrange a economia, a cultura e a política.
53Pierri (2008) deixa clara esta realidade ao abordar a questão do processo de Avaliação de Impactos Ambientais e explica que o papel decisório do governo está subordinado à garantia de defesa da acumulação do capital e que seu papel de mediar diferentes interesses em relação à sustentabilidade dependerá da pressão de diferentes setores. A mesma autora reconhece desigualdades sócio-econômicas na apropriação do conhecimento e na capacidade de exercer pressão política.
54A análise incompleta da problemática do licenciamento ambiental no Brasil dificulta a visualização das causas reais dos problemas percebidos, muito mais sutis e enraizadas em aspectos sociais, aos quais os técnicos se subordinam. Se abordarmos de forma mais ampla a questão, como realizado no decorrer deste trabalho, percebemos entidades sociais com participação mais ou menos ativa no delineamento desta questão. Conclui-se, desta forma, que o entendimento do contexto social, político e econômico em que as políticas públicas ambientais são adotadas, refletindo na tomada de decisão pelo governo, a qual é dependente da negociação de preferências e interesses dos diversos atores, deve nortear qualquer esforço técnico-científico no sentido da melhoria do processo de Avaliação de Impactos Ambientais federal no Brasil.

Bibliografia

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Notas

1 O uso do termo “ambiental”, e não “socioambiental” é proposital, e implica necessariamente a dimensão social e humana, uma vez que o ser humano, suas ações e interações fazem parte do meio ambiente. O termo socioambiental será utilizado quando for tratado o momento histórico de mudança de percepção a respeito da inclusão da dimensão humana e social na questão ambiental.
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Tabela das ilustrações

TítuloImagem 1- Linha do tempo ilustrando a evolução das legislações e instituições relacionadas ao licenciamento ambiental federal
Créditos(adaptado de Forattini, 2011)
URLhttp://confins.revues.org/docannexe/image/8555/img-1.png
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TítuloImagem 2- Gráfico com o número de processos de solicitação de licenças ambientais abertos por ano, desde a criação do IBAMA
URLhttp://confins.revues.org/docannexe/image/8555/img-2.png
Arquivoimage/png, 47k
TítuloImagem 3- Representação esquemática dos aspectos externos que interferem na elaboração, formulação e implementação das políticas públicas ligadas ao licenciamento ambiental.
CréditosFoto retirada do site http://www.gestaoebt.com.br/​blog/​?p=5485
URLhttp://confins.revues.org/docannexe/image/8555/img-3.png
Arquivoimage/png, 51k
TítuloImagem 4- Fotos tiradas pela Organização Não Governamental Greenpeace no canteiro de obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, licenciada pelo IBAMA, ilustrando diversos flagrantes de degradação ambiental causada pela obra.
URLhttp://confins.revues.org/docannexe/image/8555/img-4.jpg
Arquivoimage/jpeg, 533k
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Para citar este artigo

Referência electrónica

Aline Borges do Carmo e Alessandro Soares da Silva, « Licenciamento ambiental federal no Brasil: perspectiva histórica, poder e tomada de decisão em um campo em tensão », Confins [Online], 19 | 2013, posto online em 29 Novembro 2013, Consultado o 09 Janeiro 2014. URL : http://confins.revues.org/8555 ; DOI : 10.4000/confins.8555
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Autores

Aline Borges do Carmo

Doutoranda em Oceanografia, analista ambiental do IBAMA, Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo, aline.carmo@gmail.com

Alessandro Soares da Silva

Livre Docente, Professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo, alessoares@usp.br

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

A participação da sociedade na tomada de decisão da gestão ambiental municipal: uma análise qualitativa

 
Dissertação de Mestrado
Autor: Peixoto, Dante José de Oliveira e (Catálogo USP)
Unidade da USP: Escola de Engenharia de São Carlos
Área do Conhecimento: Ciências da Engenharia Ambiental
Data de Defesa:2013-10-03
São Carlos, 2013
Orientador: Montaño, Marcelo (Catálogo USP)
Banca examinadora
Montaño, Marcelo (Presidente)
Rossi, Alexandre Salvador, Nemésio Neves Batista
Título em português
A participação da sociedade na tomada de decisão da gestão ambiental municipal: uma análise qualitativa
Palavras-chave em português: Desenvolvimento sustentável-Gestão ambiental-Participação da sociedade-Política ambiental

Resumo em português
A existência de instrumentos de política e gestão ambiental não garantem, por si, a compatibilização do crescimento econômico com a manutenção da qualidade ambiental objetivos estabelecidos pela Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81). Uma das razões para essa constatação é a desarticulação entre os instrumentos implementados, bem como a simples não implementação de alguns. Levando-se em consideração a estruturação do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA) dada pela política nacional, a atuação das instituições competentes é também um fator importante nesse processo, uma vez que estão vinculadas diretamente com as conseqüências práticas do processo decisório. Nesse sentido, a análise dos mecanismos que se relacionam com a inserção da variável ambiental no processo decisório em âmbito municipal, articulada entre as diferentes instituições que o integram, é importante para verificar os aspectos positivos e negativos relacionados à consecução dos objetivos mencionados. Nesse contexto se insere a presente dissertação, realizada com o objetivo de investigar as diferentes práticas que têm envolvido a atuação da sociedade no processo decisório, a partir do estudo dois diferentes canais de participação que se apresentam para a gestão ambiental municipal em São Carlos - SP - o Conselho Municipal do Meio Ambiente de São Carlos (COMDEMA - SC) e o Ministério Público Estadual (MP). Utilizando como referência as distinções de níveis de participação descritos pela literatura, visitas aos órgãos e levantamento documental foram sistematizados os dados a respeito da participação da sociedade ao longo de todo o período de atuação dos agentes investigados, sendo os resultados discutidos à luz da teoria, apontando as dificuldades e oportunidades para o aperfeiçoamento da prática participativa na questão ambiental municipal.
 
Título em inglês
Public participationin decision-making at the local environmental management: a qualitative analysis

Palavras-chave em inglês
Environmental management
Environmental policy
Public participation
Sustainability
Resumo em inglês
The existence of instruments of environmental policy and management do not ensure, by itself, to reconcile economic growth with the maintenance of environmental quality - goals set by the National Environment Policy of Brazil (Lei 6.938/81). One reason for this finding is the disconnection between the tools implemented, and the simple lack of some. Taking into account the structure of the National Environmental System (SISNAMA) given by national policy, the role of relevant institutions is also an important factor in this process, since they are linked directly with the practical consequences of the decision making process. In this sense, the analysis of the mechanisms that relate to the inclusion of the environmental variable in decision making at the municipal level, articulated between the different institutions that comprise it, it is important to check the positive and negative aspects related to the achievement of the goals mentioned. In this context we present the dissertation, conducted in order to investigate the different practices that have involved the role of society in decision-making, from the study of two different agents that promote participation and are disponible to municipal environmental management in São Carlos - SP - the City Council's Environment of São Carlos (COMDEMA - SC) and State Public Prosecutor (MP). Using as reference the distinctions of levels of participation described in the literature, visits to organs and documentary survey were systematized data about the participation of society throughout the period of performance of the agents investigated and those resuoltados discussed in the light of the theory, pointing out the difficulties and opportunities for the improvement of participatory practice in local environmental questions.
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Data de Publicação
2014-01-07

site da Biblioteca digital da USP

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Depende de nós


ter, 24/12/13

por andre trigueiro |
categoria Sustentabilidade


Em 2013 chegou a fatura do Código Florestal: depois de sucessivas quedas, a taxa de desmatamento voltou a subir (28%) e tudo leva a crer que as regras complacentes aprovadas no Congresso estejam por trás desse número. Também chegou a fatura da política equivocada do governo em favor do transporte individual (eliminação do IPI para carros 0Km combinada com preço subsidiado da gasolina) que agravou o colapso da mobilidade urbana em praticamente todas as capitais brasileiras (inclusive Brasília, famosa por seu uma cidade “planejada”, e Curitiba, incensada mundo afora como a “capital da sustentabilidade”). As históricas manifestações de rua de junho foram motivadas inicialmente pelo péssima qualidade do transporte público. Em resumo: o nó das cidades nunca foi tão ostensivo.
2013 foi um ano especialmente ruim para as comunidades indígenas, com dezenas de mortes em conflitos abertos com fazendeiros e posseiros. De quebra, o governo se esmera em dificultar ao máximo o processo de regularização de novas reservas, mudando a legislação vigente e esvaziando ainda mais o poder da já combalida FUNAI.
Três anos depois da maior tragédia ambiental do país, quando um dilúvio de proporções bíblicas provocou 900 mortes na região serrana do Rio, milhares de pessoas continuam morando em áreas de risco sem que as obras prometidas (contenção de encostas, desassoreamento de rios,etc) tenham sido feitas. Um vexame. Ou será crime de omissão? O verão promete.
O Brasil abriu caminho para a exploração de gás não convencional (shale gas) sem protocolos de segurança definidos para o fracking (fracionamento hidráulico), método arriscado e polêmico para a obtenção do gás em grandes profundidades, ameaçando o lençol freático. A ANP (Agência Nacional do Petróleo) organizou apenas uma audiência pública para tratar do assunto, agiu de forma açodada e temerária, na contramão da transparência e do interesse público.
Em 2013 cresceu o prestígio das bicicletas como modal de transporte, das construções sustentáveis e da reciclagem do lixo (em cidades como SP e RJ foram anunciadas metas usadas e inéditas de reciclagem até 2016). Há mais empresas preocupadas em reduzir suas respectivas pegadas ecológicas. Há mais governos locais interessados em promover um desenvolvimento mais limpo e ético (é o caso do programa “Municípios Verdes”, em curso no Estado do Pará, com resultados mensuráveis na direção de projetos que geram emprego e renda sem desmatar ou poluir os rios). Entretanto, merece registro o fato de o Brasil ainda permanecer atolado num oceano de matéria orgânica infecto-contagiosa. Os indicadores oficiais de saneamento básico continuam equivalentes aos de países da África subsaariana.
Em 2014 teremos uma copa do mundo que não será lembrada no futuro como uma “copa verde”, tal como foi a da Alemanha em 2006. As autoridades também deverão justificar no ano que vem as razões pelas quais as Olimpíadas de 2016 não chegarão perto dos Jogos de Sidney (2000) ou de Londres (2012) enquanto modelo de evento sustentável. Promessas feitas para o COI, como a de ” despoluir em 80% a Baía de Guanabara” não serão cumpridas no prazo estabelecido.
Teremos eleições para presidente e governador, e salvo alguma surpresa,
 os candidatos vão se referir apenas “protocolarmente” aos temas ambientais, fazendo juras de amor ao assunto sem que as palavras proferidas correspondam aos atos efetivamente realizados até então. Difícil prever o quanto a presença da ambientalista Marina Silva na chapa de Eduardo Campos poderá determinar ajustes importantes na campanha do atual governador de Pernambuco e de seus colegas candidatos. O tempo dirá.
Fukushima continuará vazando radioatividade no Japão. O sol continuará sendo a fonte limpa e renovável que mais cresce no mundo. E o mais poluente de todos os combustíveis fósseis, o carvão mineral, com o preço muito barato, continuará inspirando investimentos na direção do atraso.
Depois do fracasso da COP-19 na Polônia, a próxima conferência do clima será no Peru em 2014 e se não houver avanço consistente, chegaremos em Paris em 2015 (ano limite para a definição de um acordo global vinculante) como avalistas daquele que talvez seja o maior impasse diplomático da História do multilateralismo com graves consequências para a Humanidade como um todo, especialmente os mais pobres.
Feliz ano novo? Depende de nós.

Decisão suspende registro imobiliário da área indígena Kayabi


Decisão do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu o registro em cartório imobiliário da área demarcada como terra indígena Kayabi no Decreto Presidencial de 24 de abril de 2013. A antecipação de tutela, a ser referendada pelo Plenário, foi deferida na Ação Cível Originária (ACO) 2224, de autoria do Estado de Mato Grosso, e obsta a transferência definitiva da propriedade até o julgamento final da questão.
Segundo o ministro, “a leitura detida das razões apresentadas [pelo Estado de Mato Grosso] revela a presença dos requisitos da fumaça do bom direito e do perigo da demora”. Ele explica que o principal fundamento do estado é o de que as terras objeto da demarcação não eram “tradicionalmente ocupadas” pelos índios Kayabi.
Isso porque, segundo o estado, ao tempo da promulgação da Constituição de 1988, marco temporal fixado pelo constituinte para se reconhecer aos indígenas o direito às terras que habitam, os índios da etnia Kayabi já não mais ocupavam as terras objeto da ampliação da demarcação.
Segundo o ministro Fux, a pretensão do estado, em uma análise preliminar, encontra “amparo” na decisão tomada pelo Supremo quando do julgamento da demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol (PET 3388). “No aludido precedente, restou assentado que as terras tradicionalmente indígenas seriam, somente, aquelas efetivamente habitadas por grupos indígenas na data da promulgação da Constituição Federal de 1988”, informa o ministro. “Ausente esse requisito fundamental ao reconhecimento, em favor dos indígenas, do direito às referidas terras, surge como contrária à Carta Magna a ampliação de reserva já demarcada”.
O ministro acrescenta que o registro em cartório da demarcação das terras e, consequentemente, a transferência da propriedade configura o “perigo na demora” da decisão, uma vez que isso “poderá gerar sérios atritos entre a comunidade indígena e aqueles que adquiriram as terras demarcadas de boa-fé”.
Câmara de Conciliação
Ao avaliar que havia possibilidade conciliação no caso, o ministro havia determinado o envio do processo para a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal no âmbito da Advocacia-Geral da União (CCAF/AGU) em setembro deste ano. Mas diante da resposta da União requerendo o prosseguimento do processo no Supremo, ele proferiu a decisão liminar.
O caso
Conforme os autos, trata-se de conflito federativo entre a União e o Estado de Mato Grosso, estabelecido com a homologação da demarcação da Terra Indígena Kayabi, uma vez que “a União declarou como indígenas e, consequentemente, como suas, terras pertencentes ao Estado de Mato Grosso”. Os procuradores de MT alegam que a demarcação de terras indígenas em território estadual "configura conflito federativo que gera a competência originária do STF" e, dessa forma, "cabe ao Supremo dizer se a área é indígena ou não”.

Processo: ACO 2224

site do STF

Governo cumpre decisão judicial e inicia processo de desintrusão da Terra Indígena Awá-Guajá

O Governo Federal cumpre a decisão da Justiça Federal do Maranhão e inicia o processo de desintrusão da Terra Indígena Awá-Guajá, localizada entre os municípios de Centro Novo do Maranhão, Governador Newton Bello, São João do Caru e Zé Doca, na região Noroeste do estado. A partir desta sexta-feira (3/1), o Exército começa a montagem da base principal, em São João do Caru, que dará apoio logístico para o processo de desintrusão, ou seja, a retirada de não índios da área. Dessa maneira, o Estado brasileiro assegura a posse definitiva para o povo Awá-Guajá, muitos deles isolados e de recente contato.
A expectativa é que a partir da próxima semana, os oficiais de justiça comecem a notificar os não índios para que saiam voluntariamente da terra em 40 dias, levando seus bens. Por decisão judicial, neste período os posseiros poderão retirar bens móveis, imóveis, animais e quaisquer outros pertences que possam ser removidos sem comprometer a utilização das terras pelos indígenas.
Após este prazo, a justiça expedirá mandados de remoção de todos os ocupantes não índios que estiverem na Terra Indígena, assim como mandados de desfazimento de construções, cercas, estradas ou quaisquer benfeitorias no interior da terra indígena. Todos os não índios vivem ilegalmente na área e deverão deixar o local, ou seja, não há direito a indenização.
Apesar disto, o Governo Federal fará o reassentamento dos pequenos agricultores (que se enquadrarem nos critérios do Plano Nacional de Reforma Agrária) que já ocupam a terra. Imagens aéreas feitas em setembro de 2013 pelo Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam) mostram que na área há em torno de 300 construções.
A ação de desintrusão é interministerial, coordenada pela Secretaria-Geral da Presidência da República em parceria com os ministérios da Justiça (Funai, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Secretaria Nacional de Segurança Pública/Força Nacional de Segurança Pública), Gabinete de Segurança Institucional (Abin); Defesa (Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia / Censipam), Saúde (Secretaria de Saúde Indígena) Desenvolvimento Agrário (Incra), Meio Ambiente (Ibama/ Instituto Chico Mendes), Ministério do Desenvolvimento Social e Secretaria Nacional de Direitos Humanos (SDH) e Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).
 
site do  INCRA