sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Negado à Monsanto pedido de extensão de patente de soja transgênica



O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), negou nesta quinta-feira (21) recurso especial da Monsanto Technology LLC, que pretendia ampliar a vigência da patente de soja transgênica. Seguindo jurisprudência consolidada pela Segunda Seção, o ministro entendeu que a patente vigorou até 31 de agosto de 2010.

O recurso é contra decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que reconheceu o vencimento da patente, pois a vigência de 20 anos começou a contar da data do primeiro depósito da patente no exterior, em 31 de agosto de 1990. No outro polo da ação está o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).

No recurso, a Monsanto contestou o termo inicial da contagem do prazo de vigência da patente, que foi a data do primeiro depósito no exterior, pois este foi abandonado. Também sustentou que o processo deveria ser suspenso porque tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 4.234) dos artigos 230 e 231 da Lei 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial), que tratam do depósito de patentes.

Inicialmente, o ministro ressaltou que a pendência de julgamento no STF de ação que discute a constitucionalidade de lei não suspende a tramitação de processos no STJ. Há precedentes nesse sentido.

No mérito, Cueva destacou que a Segunda Seção, que reúne as duas Turmas de direito privado, uniformizou o entendimento de que “a proteção oferecida às patentes estrangeiras, as chamadas patentes pipeline, vigora pelo prazo remanescente de proteção no país onde foi depositado o primeiro pedido, até o prazo máximo de proteção concedido no Brasil – 20 anos –, a contar da data do primeiro depósito no exterior, ainda que posteriormente abandonado”. 


do site do STJ

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Por uma bioética da biodiversidade - For a biodiversity bioethics


Bruno Torquato de Oliveira Naves
Doutor e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas - Brasil); Professor do Mestrado em "Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável" da Escola Superior Dom Helder Câmara (Brasil); Professor nos Cursos de Graduação e Especialização em Direito na PUC Minas; Pesquisador do Centro de Estudos em Biodireito – CEBID. E-mail: brunotorquato@hotmail.com
Maria de Fátima Freire de Sá
Doutora em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (Brasil) e Mestra em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (Brasil); Professora nos Cursos de Graduação, Especialização, Mestrado e Doutorado em Direito da PUC Minas; Pesquisadora do Centro de Estudos em Biodireito – CEBID. E-mail: mfatimasa@uol.com.br

Índice
1. O problema da ética para o meio ambiente
2. Bioética ambiental: surgimento
3. É possível uma ética para o meio ambiente?
4. Ética social e biodiversidade
5. Conclusão
6. Referências

Resumo
A Bioética continua a expandir seus horizontes, mas ainda é incipiente a teorização filosófica de uma Ética para o meio ambiente. Este trabalho aborda a questão de fundo dos textos bioéticos ambientais, contra a posição da Ética clássica: é possível construir uma Ética para os outros seres vivos? Avalia-se, ainda, as características dessa nova Ética e a necessidade, principalmente no Brasil, das obras sobre o assunto possuírem uma filiação mais clara a uma teoria ética.
Palavras-chave: ética, meio ambiente, biodiversidade, bioética, princípios.

Abstract
Bioethics continues to expand its horizons, but is still incipient philosophical theorizing of an Ethics for the environment. This paper addresses the fundamental issue of environmental bioethics texts, against the position of classical Ethics: Is it possible to build an Ethics for the other living beings? Evaluates also the characteristics of this new Ethics and the need, especially in Brazil, works on the subject having a membership to a clearer ethical theory.
Key words: ethics, environment, biodiversity, bioethics, principles.

1. O problema da ética para o meio ambiente
Há, indubitavelmente, uma nítida e crescente preocupação com a Bioética nas diversas áreas do conhecimento científico, inclusive na área jurídica que se ocupa da problemática ambiental. Contudo, é curioso perceber que nem sempre há um substrato ético nos tratamentos que juristas dispensam aos temas supostamente bioéticos.
É importante perquirir qual a Ética, se é que ela existe, que está por detrás dos argumentos. Ou ainda: será mesmo possível construir um arcabouço ético aplicável à natureza e aos outros organismos vivos, que não o homem?
Se partirmos de uma visão antropocêntrica a resposta provavelmente será: "Não! Não se pode falar de Ética para a biodiversidade!" Essa provavelmente seria a resposta de Immanuel Kant, que construiu uma Ética racional, que reconciliava empirismo e idealismo, dogmatismo e ceticismo, mas que sempre teve como únicos partícipes o ser humano. Seus escritos constituem a base do Direito moderno e por isso, ainda hoje, são o fundamento ético que profissionais do Direito tentam trazer para a Bioética.
E, embora o meio ambiente brasileiro ocupe uma importante função no equilíbrio planetário, ainda são poucos os trabalhos de Bioética Ambiental.
Tem-se, pois, duas situações-problema a se enfrentar: 1) Nem sempre quando se diz tratar de Bioética, há realmente um substrato ético; 2) Muitos que exprimem tal substrato, o fazem pautados na Ética clássica, o que é um contrassenso. A Filosofia kantiana, por exemplo, não parece ser adequada para fundamentar argumentos bioéticos que pretendem transcender uma Ética para os homens, chegando na "Ética animal" ou Ética para a natureza.
Em síntese: é possível uma Ética para o meio ambiente?
2. Bioética ambiental: surgimento

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Um universo ignorado de perigos à saúde

Governo americano conhece pouco sobre as substâncias químicas. Para especialista, os maiores riscos aos humanos no planeta podem ser ainda misteriosos.
RIO - Ele já brigou com a Mattel, fabricante da Barbie, pelo uso de PVC na fabricação das famosas bonecas. Também arrumou problemas com a gigante da tecnologia Apple, acusando a marca de realizar seus produtos com substâncias tóxicas. No momento, luta para incentivar o governo dos Estados Unidos a aumentar a regulamentação da indústria química americana. Rick Hind, diretor legislativo do Greenpeace, parece não ter medo de desafios. Ele promete enfrentar lobbies poderosos ao denunciar que os efeitos de 70 mil substâncias químicas produzidas nos EUA são ainda desconhecidos. Apenas 800 desses produtos são, segundo ele, conhecidos e regulamentados pelo governo americano.

 
Para o ambientalista, são grandes as chances dos inúmeros produtos, vendidos para milhares de pessoas no planeta, possuírem substâncias nocivas à saúde.
Recentemente, ele mostrou-se cético quanto ao comércio de emissões de carbono. O método, previsto no artigo 17 do Protocolo de Kioto, permite aos países negociarem a redução através de trocas de compensações. Quem consegue atingir a meta e apresenta com sucesso um excedente, pode, através de artifícios financeiros, “compensar” a produção de nações menos responsáveis.
De fala pausada e tom contundente, Hind não é dado a respostas evasivas. Ele costuma se explicar quase sempre com "sim" ou "não". Para o ambientalista, a solução para aumentar o conhecimento de substâncias químicas é passar a estudar grupos de compostos e não estudá-las uma de cada vez. É que o tempo de pesquisa, se não acelerado e organizado, pode não ser suficiente para proteger a vida de consumidores.

O senhor afirma que, dos 70 mil ingredientes químicos produzidos, apenas 800 deles são regulamentados pela Environmental Protection Agency (EPA, a agência de proteção ambiental dos Estados Unidos). A situação se repete no restante do mundo?
A regulamentação de produtos químicos nos Estados Unidos é muito fraca. No mundo inteiro, na verdade. Na Europa, a União Europeia (UE) adotou a Legislação de Controle de Produtos Químicos, o que melhorou um pouco o controle. Todos os produtos químicos fabricados ou importados pela UE, em quantidades maiores que uma tonelada por ano, passam por um processo de registro, avaliação e autorização de uso. Com a referência, países com o controle fraco poderiam se espelhar no exemplo para troca de informações sobre determinados ingredientes químicos.

O controle maior por parte dos europeus ajuda a entender melhor o que causam e produzem os ingredientes?
Sim, mas o mundo, em geral, ainda não tem muitos detalhes sobre o modo como funcionam diversos elementos químicos. Alguns dos maiores riscos para a saúde humana podem ser ainda totalmente desconhecidos dos consumidores.

Por que diz isso?
Por probabilidade matemática. Se há milhares de ingredientes que ainda não foram estudados, as chances de algum deles ser prejudicial para humanos é grande. É algo lógico. Existe também a questão das combinações. Um ingrediente químico em contato com outros pode produzir novas variações com efeitos colaterais horríveis. Há muito a ser estudado ainda.

Como compensar este atraso?
Talvez estudando-os em grupos. Se formos analisar cada produto de uma vez, verificando o modo como são constituídos e suas consequências, não conseguiremos nada em décadas. Se dividirmos o desconhecido por grupos ou semelhanças estruturais, como, por exemplo, metais pesados, poderemos avançar mais rapidamente. É uma metodologia que facilita a vida dos pesquisadores.
Estudo recente do Instituto Blacksmith (grupo americano que limpa locais contaminados), realizado em 49 países, concluiu que a poluição por chumbo, fundição e reciclagem (muitas vezes a partir de baterias de carro) representaram o maior risco para a saúde humana em 2012. 

Como lidar com o problema?
Precisamos estudar elementos alternativos. Descobrir novas maneiras de lidar com esses problemas. A boa notícia é que muitos países já abandonaram, por exemplo, a gasolina com chumbo. Tubos de raios catódicos, usados para gerar imagens na televisão, que vinham cheios deste elemento, também foram abandonados. São sinais claros de mudança na indústria. Vale lembrar que a exposição em excesso ao chumbo pode levar a problemas nos rins, dificuldades de aprendizagem, deficiências de crescimento e até perturbações nervosas.

O chumbo é cancerígeno. Sobre os outros milhares de compostos não conhecidos e regulamentados, muitos também podem causar a doença?
Sem dúvida. Uma pesquisa demonstrou que, só aqui nos Estados Unidos, pelo menos 40% da população vai ter câncer em algum momento da vida. É um dado preocupante. Um problema que pode ser consequência de ingredientes químicos ainda não conhecidos. Um estudo dos produtos pode nos ajudar a encontrar soluções alternativas para tentar diminuir essa estatística.

De que maneira o Greenpeace pode ajudar a fortalecer a regulamentação de ingredientes desconhecidos?
Entrando em contato com governos e empresas, pressionando-os por mudanças. É importante lembrá-los de que os alvos não são apenas os consumidores, mas também os funcionários que trabalham nas indústrias e que fabricam estes elementos. Estas pessoas ficam expostas diariamente ao perigo.

Existe um lobby forte da indústria contra as investigações sobre os produtos fabricados e usados?
Sim, existe. Usar o que sempre usaram sai mais barato. Para investir em novos ingredientes, comprovadamente mais seguros, a indústria precisará investir em pesquisa. Isso custa muito dinheiro. Mudar as composições de determinados produtos pode custar demais para algumas empresas. Só que a inovação e a busca por segurança são extremamente necessárias.

Uma de suas lutas é por uma maior regulamentação da indústria química americana, que exporta centenas de produtos para o restante do mundo. O que espera deste segundo mandato do presidente Barack Obama?
Torcemos para que o presidente consiga adotar atitudes eficazes nessa área. Até porque isso a tem a ver com a nossa própria segurança. A tragédia de Bhopal, na Índia (desastre industrial que ocorreu na madrugada de 3 de dezembro de 1984, quando 40 toneladas de gases tóxicos vazaram na fábrica de pesticidas da empresa norte-americana Union Carbide) ainda gera ecos até hoje. A grande dificuldade do presidente Obama é passar pelo congresso americano.

Qual o problema exatamente?
Os republicanos estão muito ligados ao lobby da indústria química. Houve uma grande preocupação sobre o tema após o 11 de setembro, mas o governo anterior controlava a EPA. Nada era feito com facilidade naquela época. Sabemos, porém, que este é um assunto que interessa ao presidente Obama, desde a época em que ele era senador pelo estado de Illinois. Neste período, Obama mostrou-se muito interessado pelo tema. Illinois é um estado, aliás, com muitos investimentos do tipo.

O senhor já se posicionou ceticamente em relação ao comércio internacional de emissões de carbono para que países possam negociar modos de alcançarem suas metas de redução de carbono. Por quê?
Não deveríamos procurar maneiras para as pessoas continuarem a poluir. Se as indústrias realmente planejam reduzir suas emissões de gases de efeito estufa, vão precisar seguir nessa direção de qualquer maneira. Pode ser aberto um péssimo precedente se começarem a pagar outras empresas, em outros países, para que estas poluam menos. O método já é adotado na Europa, mas não há provas científicas que funcione. Há diversos estudos sérios que demonstram a ineficácia e a falta de transparência deste tipo de medida. Cheira a trapaça.


do site do Globo

Tem mogno?

Uma das medidas mais eficientes para controle do desmatamento foi a restrição do crédito a produtores rurais que não cumprem com a legislação ambiental.

ARTIGO - TASSO AZEVEDO
Publicado: 


quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Consciência ecológica e os resíduos de serviços de saúde


Revista Latino-Americana de Enfermagem

versão impressa ISSN 0104-1169

Rev. Latino-Am. Enfermagem v.1 n.2 Ribeirão Preto jul. 1993

http://dx.doi.org/10.1590/S0104-11691993000200008 

ARTIGO ORIGINAL

Consciência ecológica e os resíduos de serviços de saúde1

Ecological awereness and health service wastes

Conciencia ecológica y los residuales de los servicios de salud


Angela Maria Magosso Takayanagui
Assistente junto ao Departamento de Enfermagem Materno-lnfantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - USP - Campus Universitário



RESUMO
O saneamento do meio envolve uma série de fatores, dentre eles, a questão dos resíduos sólidos, nem sempre bem gerenciados. O problema é mais grave quando se trata de resíduos produzidos em serviços de saúde, sendo a conscientização das pessoas e a atenção dos administradores, de fundamental importância para uma convivência equilibrada com o meio físico.
Descritores: meio ambiente, saneamento, consciência ecológica

ABSTRACT
Environmental clean-up involves a series of factors, among them the question of solid wastes, which are not always properly managed. The problem is more serious with respect medical waste. The awareness of people and the attention of administrators are of fundamental importance for an equilibrated coexistence with the physical environment.
Descriptors: environment, clean-up, ecological awareness

RESUMEN
El saneamiento del ambiente comprende una serie de factores, dentre ellos, la cuestión del residual solido, ni siempre bien administrado. El problema es más grave cuando se trata del residual producido en los Servicios de Salud, siendo la concientización de las personas y la atención de los administradores, de fundamental importancia para una convivencia equilibrada con el ambiente.
Descriptores: ambiente, saneamiento, conciencia ecológica



Quando se fala em saneamento ambiental, deve-se atentar para a complexidade de questões que atravessam este problema, principalmente no que se refere à necessidade de mudança de comportamento.
O ser humano recebe forte influência do meio em que vive, ao mesmo tempo que o influencia em inúmeras situações, como na que concerne ao nível de higiene e de limpeza pública. Este, por sua vez, encontra-se diretamente relacionado com as condições de desenvolvimento e de qualidade de vida da população, quase sempre direcionada pela sua condição sócio-econômica e cultural.
Cada indivíduo, então, organiza sua própria maneira de viver, subordinada a cultura, à educação, ao poder econômico e ao meio ao qual pertence.
Deste modo, podemos dizer que o controle da situação de saneamento de uma comunidade não é exclusivo do pessoal técnico que assume a limpeza pública e, sim, que depende de toda uma visão e postura pessoal, estreitamente ligadas a condição sócio-econômica, cultural e educacional da população.
Segundo PLASCAK (1982), "por maior que seja a influência dos serviços, nenhuma cidade terá um estado geral de limpeza satisfatório se a população não usar corretamente os recursos colocados a sua disposição".
Mas, para que isto ocorra de maneira espontânea, é necessário que exista uma consciência sanitária da coletividade, de forma que cada elemento sinta-se envolvido, de fato, assumindo atitudes condizentes com uma consciência ecológica, visando tanto a própria saúde quanto a saúde do meio em que vive.
Senão, vejamos a trajetória de um simples papel de embalagem de bala, que é jogado no chão de uma rua ou estrada. Se tudo correr como o previsto, este papel vai caminhar pelas galerias pluviais, até alcançar um curso d'água, que chegará até um rio, passando a provocar uma alta demanda bioquímica de oxigênio (DBO), com a proliferação das bactérias que, por questão de sobrevivência, estarão aí presentes na tentativa de "desintegrar" aquele inocente papel. Só que, imaginem milhões de pessoas tendo a mesma atitude de jogar "inocentes" papéis no chão.
Em se tratando da área de saúde, também os resíduos nela produzidos representam um risco em potencial, e neste caso, trazendo grandes danos tanto a saúde do usuário, quanto do trabalhador que nela atua, bem como ao próprio meio ambiente.
Os principais organismos nacionais e internacionais de saúde têm se preocupado com a questão dos resíduos de serviços de saúde, desde a sua separação até o destino final, porém, fazer valer uma recomendação técnica ou uma legislação depende também do conhecimento, da motivação e da conscientização das pessoas diretamente envolvidas.
Quanto ao conhecimento do problema, o que se recomenda é que tanto o aparelho empregador, quanto aos órgãos governamentais responsáveis pela manutenção da higiene e limpeza pública, forneçam condições ao trabalhador de serviços de saúde de "treinamento e vigilância médico-sanitárias" (SUDS-SP-1989), bem como, de reciclagens periódicas e de supervisão em serviço.
Já em relação a motivação e à conscientização, o que se percebe é que obedecendo ou não ao determinismo genético, subsiste a iniciativa do homem de assumir diferentes tipos de comportamento e de definir seus próprios objetivos de vida.
Assim, pode-se encontrar um indivíduo ou mesmo um grupo de pessoas que, mesmo conhecendo a problemática de determinada situação, ou, ainda, sendo eloqüentes em seus discursos diários, não adotem uma postura coerente com suas falas. Dizem, mas não agem. E preciso então, além da conscientização, que exista vontade política daqueles que estando na direção dos serviços, façam valer as normas e recomendações sanitárias, ajudando os que já estão conscientizados quanto a importância da adoção desse comportamento e propiciando a compreensão dos que ainda as desconhecem.
Devermos ter a dignidade e a honestidade de denunciarmos as situações evidentemente criminosas, bem como ir em busca de informações e de ajuda quando assim o julgarmos.
Esta situação pode facilmente acontecer com os resíduos de serviços de saúde, no que se refere a questão da participação tanto do usuário, quanto do trabalhador (do mais humilde serviçal ao chefe máximo), na manutenção de um nível adequado de saneamento do meio.
É preciso que as pessoas passem a refletir sobre o problema, pois se cada indivíduo cuidasse adequadamente dos próprios resíduos que produz, ele já estaria contribuindo para, se não diminuir, amenizar a situação que caminha para um descalabro.
Antes de pensar em mudar o comportamento no serviço, o trabalhador da área de saúde, assim como qualquer cidadão, deveria, a princípio, refletir sobre a importância da adoção de atitude condizente com uma conscientização ecológica, isto é: iniciar pelo próprio lar, cuidando do lixo que produz, segundo as recomendações existentes, o que estaria ajudando o Estado, além da própria Instituição, no gerenciamento dos resíduos produzidos pela coletividade, bem como ao meio ambiente.
Em outras palavras, ter consciência ecológica está diretamente ligado à uma postura de preservação e de cuidados para com o meio em que se vive, lembrando, ainda, que este meio não se reduz ao micro sistema em que está inserido um indivíduo, ou seja: seu local de trabalho, seu quarto, sua residência, mas sim, que engloba todos os macro sistemas do Universo, estabelecendo com eles um processo constante de adaptação.
Ter consciência ecológica não significa simples mente mudar o comportamento diante das situações ambientais no trabalho, no lar ou na rua, e sim, antes, mudar o nosso modo de pensar e de sentir essas situações, de forma a conviver em equilíbrio com o meio físico.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
01. PLASCAK, G. M. de S. Campanhas educativas. São Paulo: CETESB, 1982. (curso básico para gerenciamento de resíduos sólidos). São Paulo, jun., 1982.        [ Links ]
02. SÃO PAULO. Sistema unificado e descentralizado de saúde (SUDS-SP). Centro de Vigilância Sanitária. Subsídios para organização de sistemas de resíduos em serviços de saúde. São Paulo: SUDS, 1989.        [ Links ]


1 Segundo a Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT - entende-se por resíduos de serviços de saúde, todo tipo de lixo produzido em instituições sanitárias (hospitais, ambulatórios, consultórios médicos e odontológicos, clínicas veterinárias, laboratórios e similares)

do site Scielo

A Ética do desenvolvimento e a proteção às condições de saúde


Cadernos de Saúde Pública

versão impressa ISSN 0102-311X

Cad. Saúde Pública vol.8 no.1 Rio de Janeiro Jan./Mar. 1992

http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X1992000100012 

OPINIÃO / OPINION

A Ética do desenvolvimento e a proteção às condições de saúde1

The ethics of development and protection to health conditions


Paulo C. Sabroza; Maria do Carmo Leal; Paulo M. Buss
Escola Nacional de Saúde Pública. Rua Leopoldo Bulhões, 1480, Rio de Janeiro, RJ, 21041, Brasil



RESUMO
Neste artigo discute-se a influência do modelo de desenvolvimento brasileiro sobre o meio ambiente e a saúde da população, apontando suas características centrais e suas conseqüências, as denominadas eco-desigualdades. Relaciona-se dados que procuram ilustrar as relações entre desenvolvimento, meio ambiente e saúde. Considera-se que a crise econômica da última década, bem como a aproximação do Estado brasileiro ao modelo neo-liberal, dificultam acentuadamente os investimentos nos setores sociais e públicos, antevendo-se enormes prejuízos para a população, com a acentuação das desigualdades sociais no país. Enfatiza-se, por fim, a necessidade de uma nova ética nas relações entre os indivíduos, indivíduos e Estado e entre Nações.
Palavras Chave: Saúde Pública; Meio Ambiente; Modelos de Desenvolvimento; Ética; Condições de Saúde

ABSTRACT
This article discusses the influence of the Brazilian development model on the environment and on the population's health, focusing on the major characteristics as well as the consequences of this model — the so-called eco-inequalities. This paper presents data that attempt to illustrate the relationships between development, environment and health.
The economic crisis of the last decade and the move to a neoliberal model by the Brazilian State are seen as factors that strongly hamper investments in the social and public sectors, promoting huge losses for the population and increased social inequalities in the country. Finally, emphasis is given to the need for a new ethics in the relationships among individuals, between individuals and State, and among Nations.
Keywords: Public Health; Environment; Development Models; Ethics; Health Conditions



ÉTICA E DESENVOLVIMENTO
A crise global do modelo de desenvolvimento capitalista repercute em todas as formações econômico-sociais, com impacto sobre a qualidade de vida e do ambiente.
O modelo de desenvolvimento econômico implantado na América Latina no pós-guerra, do ponto de vista da acumulação de capital, obteve resultados surpreendentes. No Brasil, o PIB duplicou em 18 anos, enquanto nos EUA o mesmo resultado foi alcançado no espaço de 47 anos, e na Inglaterra, em 59 anos.
Este desenvolvimento, que na sua primeira etapa se fez através do modelo do Cepal de substituição de importações, com abertura do mercado ao capital industrial internacional, estendeu-se por um período muito superior às suas possibilidades. Em grande parte, pela não realização das reformas estruturais de base, agrária, educacional e fiscal, indispensáveis ao prosseguimento do desenvolvimento econômico, em decorrência dos compromissos políticos das elites nacionais conservadoras.
Em um segundo momento, já no período autoritário, a acumulação prosseguiu e até mesmo se acentuou, através de mecanismos de poupança interna forçada, como a desvalorização salarial, indução da inflação e endividamento externo.
A modernização incompleta da indústria implicou na perda de sua competitividade e na necessidade de manutenção de subsídios.
Este modelo de financiamento teve sérias conseqüências para as condições de vida da população, agravando a concentração de renda e as desigualdades sociais.
Políticas sociais compensatórias foram promovidas nas áreas de seguridade social, assistência médica, distribuição de alimentos, saneamento, habitação. Se, por um lado, elas ajudaram a diminuir o impacto da perversidade do modelo sobre os grupos excluídos, por outro, contribuíram para a reprodução do processo de acumulação através da criação de mercado de consumo interno, articulado com a economia internacional.
A tentativa atual de ajuste do modelo coincide com a interrupção do financiamento externo e a renegociação da dívida, induzindo a uma crise sem precedentes (Cepal, 1991).
Se é evidente a responsabilidade das estruturas econômicas e políticas nacionais nos impasses do projeto de desenvolvimento, há também que se acentuar o papel determinante das políticas dos países de economia central sobre um conjunto de opções decisivas:
• O apoio às forças políticas conservadoras que impuseram o autoritarismo e impediram as reformas estruturais necessárias.
• O incentivo ao endividamento externo, financiando a manutenção do projeto político autoritário e, posteriormente, modificando os acordos financeiros, resultando em transferência maciça de capital da América Latina para os países centrais.
• A manutenção de barreiras de proteção comercial, dificultando a exportação de produtos brasileiros.
• A restrição à difusão de tecnologias avançadas através da utilização de registros de patentes e limitação do acesso ao conhecimento científico.
• A atração de recursos humanos selecionados da América Latina, impossibilitando o desenvolvimento de um conhecimento autônomo.
O modelo de desenvolvimento global foi incapaz de dar conta da diminuição da pobreza e acentuou as desigualdades (Dumont, 1989). A produção da desigualdade parece mesmo ser uma característica fundamental do modelo, na medida que possibilita a mobilidade do capital necessário à continuidade da acumulação (Smith, 1988).
Por outro lado, com o desenvolvimento das forças produtivas, a questão central do processo desloca-se da produção para a distribuição e o consumo. As políticas econômicas, entretanto, se mostram mais voltadas para atender aos interesses de setores da produção do que às necessidades fundamentais dos consumidores.
Entre os setores que foram privilegiados, destaca-se a produção de armamentos. Recentemente, esta produção bélica de alta tecnologia mostrou sua eficácia em ações coercitivas, caracterizando-se a presença de um poder de polícia internacional que assegura a hegemonia através da força (Lacoste, 1991).
Outra modalidade estratégica de controle social foi o domínio sobre os instrumentos de comunicação coletiva. Deste modo, o controle da mídia internacional e dentro de cada país direciona a demanda para produtos supérfluos e assegura a distribuição desigual das informações, atuando como instrumento de alienação e dificultando a construção da cidadania.
Uma nova característica do atual modelo é a dissociação entre o crescimento econômico e o desenvolvimento social. A expansão das forças produtivas não parece mais estar condicionada à progressiva melhoria das condições de educação, saúde e trabalho, como anteriormente parecia indiscutível.
Um conjunto de indicadores de qualidade de vida e de saúde apontam que, mesmo nos países de economia central, o modelo de desenvolvimento não foi capaz de assegurar as condições de bem estar que a acumulação de recursos materiais possibilitaria.
Em diferentes momentos, a crise do modelo de desenvolvimento global tem sido confundida com seus limites setoriais, como o esgotamento dos recursos naturais não renováveis, o crescimento demográfico e, atualmente, a questão ambiental.
A responsabilidade sobre esses impasses tem sido sempre transferida para os países de economia periférica, apontando para a inviabilidade da extensão do modelo dominante para as formações econômico-sociais dependentes.
Cabe questionar não apenas a viabilidade da extensão desse modelo injusto e excludente, mas principalmente sua generalização como objetivo a ser perseguido por todos os povos.
Discute-se agora a necessidade de uma nova ética para o desenvolvimento.
Um novo modelo de desenvolvimento não pressupõe a ausência de crescimento econômico, mas o seu direcionamento para atender às necessidades das pessoas em termos de qualidade de vida.
O conceito de saúde articulado com este modelo precisa ser diferente do atual, contemplando outras dimensões de vida humana, inclusive suas interações com um ambiente protegido e não apenas dominado pelas relações econômicas.
Movimentos recentes de descentração econômica e de crescimento de núcleos urbanos autônomos, distanciados das grandes regiões metropolitanas, apontam para a viabilidade de propostas que parecem contrárias às tendências anteriores.
Estes comportamentos parecem resgatar a possibilidade de modos de vida com integridade e autonomia, sem perda de produtividade. Sua viabilidade depende fundamentalmente do acesso à informação diversificada, atualizada e eficaz.
Uma nova ética passa pela valorização da informação, considerando o indivíduo não apenas como receptor, mas garantindo o acesso ao conhecimento acumulado pela sociedade. Informação dirigida para o desenvolvimento de estratégias de produção autônomas e não para definir padrões de consumo.
Uma nova ética pressupõe também um mundo integrado, mas que assegure o direito à diversidade em relação aos processos econômicos, culturais e ambientais.
Uma nova ética implica em compromisso com a democracia, significando este conceito um novo modo de relação entre os indivíduos, e destes com o Estado, e uma outra ordem internacional (Rodrigues, 1991).
Para que a nova ética não seja apenas uma utopia, mas o fundamento para um outro modelo de desenvolvimento, é indispensável a superação do nível de miséria e de falta de instrução de grande parte da população, que impede a sua inserção efetiva no processo econômico e político e, portanto, o controle sobre suas condições concretas de existência, pressuposto da cidadania.
Os ajustes inevitáveis na conjuntura atual para as crises políticas, econômicas e ambientais não podem resultar em um estreitamento de possibilidades de transformações estruturais, comprometendo o futuro, e sim tem que considerar a necessidade, e possibilidade, da fundação de uma nova ordem.

DESENVOLVIMENTO, ECO-DESIGUALDADES E PROTEÇÃO À SAÚDE
O modelo de desenvolvimento brasileiro tem aprofundado a desigualdade entre os grupos populacionais, não só segundo sua inserção diferenciada no processo produtivo, mas também de acordo com sua localização geográfica.
Uma das conseqüências da distribuição acentuadamente desigual dos resultados do trabalho coletivo foi a produção de espaços também desiguais, acentuando diferenças entre regiões geopolíticas e, no interior destas, entre as áreas rurais e urbanas, entre pólos econômicos e áreas descapitalizadas (Smith, 1988).
As dimensões do país e a diversidade de regiões e grupos sociais com tradições culturais próprias são determinantes na delimitação do cenário onde se dá o processo de modernização incompleta da economia e da sociedade, possibilitando a superposição das diversidades ecológicas e culturais — valores positivos enquanto expressões de vida — com as desigualdades sociais e a agressão ambiental, que negam aqueles valores e refletem processos que impõem os interesses de alguns sobre os da coletividade.
Este modelo de desenvolvimento tem como exigência e conseqüência a articulação econômica e social dos espaços diferenciados, as eco-desigualdades.
A integração destes espaços diferenciados instalou-se de modo acelerado nos anos setenta, através da construção de eixos rodoviários e da extensão da rede de comunicações até os lugares mais distantes, sob a hegemonia de um modelo econômico e político autoritário (Becker, 1991).
O território nacional caracteriza-se, então, por uma fragmentação de diversidades, que são a expressão de recursos naturais e culturais particulares, mas também do acesso diferenciado aos produtos do desenvolvimento e investimentos sociais: oespaço desigual integrado.
A dinâmica da economia, centrada em alguns pólos de maior dinamismo, e a vontade dos indivíduos de lutarem por sua sobrevivência e melhores condições de vida colocaram em ação poderosas forças sociais.
Grupos sociais inteiros, submetidos a constrangimentos em conseqüência das dificuldades de acesso à terra, relações de trabalho não protegidas efetivamente e limitações de educação e conhecimentos adequados às novas práticas produtivas que se impõem, passaram a ter acesso, através dos veículos de comunicação de massa, a novos objetos de desejo. As condições de circulação espacial viabilizaram a urbanização acelerada e a pressão populacional sobre áreas com baixa densidade demográfica e ambiente ainda preservados, principalmente no Centro-Oeste e Amazônia.
O grande fluxo migratório não resulta no assentamento da população. Ao contrário, as condições de trabalho e de uso e posse da terra fazem com que os deslocamentos iniciados sejam seguidos por uma mobilidade continuada.
Uma fração crescente da população brasileira passa a não integrar o circuito principal da economia, aquele que se moderniza e aumenta sua articulação com o mercado mundial (Santos, 1979).
Mobilidade e pauperização contribuem de modo determinante para o desgaste das condições de saúde e dificultam a consolidação dos direitos de cidadania, fundamentais para a concretização da proteção à saúde e ao ambiente.
A prioridade dada ao desenvolvimento de certos setores da economia e a falta de instrumentos de controle por parte da sociedade conduziu à utilização de procedimentos e produtos de risco, muitas vezes contrariando normas de segurança conhecidas.
O uso extensivo de agrotóxicos na produção de alimentos, a exposição ao benzeno em diversos setores da indústria e a ampla utilização de mercúrio na extração de ouro em garimpos são apenas três dentre numerosos exemplos de riscos para a saúde de trabalhadores ou consumidores, resultantes da utilização imprópria de insumos em processos de trabalho implantados durante esse período.
A freqüência com que são observados acidentes no transporte e manuseio de substâncias químicas tóxicas indica mais uma vez o risco da modernização incompleta, ou seja, da absorção de tecnologias e utilização de produtos sem o domínio adequado dos processos e sem o controle social necessário.
O desenvolvimento e valorização recentes das políticas de vigilância sanitária e de saúde do trabalhador exemplificam o reconhecimento da urgência desta modalidade de intervenção do Estado, em sua função de proteção à saúde, mas não parecem ser suficientes enquanto a produção econômica, subordinada a interesses particulares internos e externos, predominar sobre o interesse social.
É necessário ter o indivíduo como interlocutor e ator importante no controle destes processos, juntamente com o Estado e os grupos econômicos interessados, através de políticas de defesa dos direitos do consumidor e da valorização da cidadania. A distribuição desigual do acesso às informações e ao poder de decisão são obstáculos que tem limitado apenas a determinados grupos as possibilidades de ação política e social.
As audiências públicas nas avaliações dos riscos para a saúde, incluídas nos relatórios de impacto ambiental (RIMA's), precedendo obras que introduzem modificações relevantes no espaço natural e social são um exemplo da possibilidade de articulação da ação do Estado e dos grupos sociais organizados na proteção às condições de saúde.
Desta forma, é possível extender a discussão dos custos ambientais e sociais, dirigida inicialmente apenas para os resultados imediatos das obras de engenharia, também para as conseqüências da transformação do espaço para os diversos grupos sociais envolvidos, consolidando o conceito de custo social do desenvolvimento econômico.
Com o processo de democratização foram criadas as condições para que se iniciasse um amplo debate, com participação de diferentes segmentos da sociedade, sobre a necessidade de reformular o Sistema Nacional de Saúde. Propõe-se a universalização do acesso, maior efetividade das ações de proteção e atenção à saúde e maior participação da comunidade no controle social destas práticas.
No modelo em implantação, procura-se atribuir maiores responsabilidades aos municípios, priorizando-se o desenvolvimento de sistemas locais de saúde (Teixeira, 1989).
Considerando-se a existência de aproximadamente 4500 municípios, espera-se que, nessa escala, sejam contempladas as diversidades de problemas e soluções, que refletem as condições de saúde de grupos sociais particulares integrados em seus ambientes.
Ao mesmo tempo, neste nível poder-se-ia estabelecer a possibilidade da ação coletiva mais eficaz, por exigir uma menor acumulação de organização e poder.
Contraditoriamente, os processos econômico-sociais mais gerais, promovendo a alienação de grandes contingentes populacionais de seus contextos coletivos e ambientais, direcionam a representação das necessidades de saúde para a demanda de cuidados assistenciais.
A medicalização crescente dos diversos problemas da população transformou o Brasil em um dos maiores consumidores mundiais de medicamentos, insumos e equipamentos de atenção médica, comercializados e utilizados freqüentemente sem preocupação com os cuidados necessários, com conseqüências prejudiciais para os usuários e evidente perda de eficácia (Campos, 1991).
A justa demanda de atenção médica por parte de numerosos grupos sociais, até então excluídos do acesso a esses serviços, tem pressionado os sistemas locais, de modo que os recursos disponíveis têm sido dirigidos prioritariamente para atividades assistenciais, prejudicando a efetividade das ações de proteção coletiva à saúde.
Através de convênios, muitos recursos públicos acabam sendo transferidos para instituições com objetivos lucrativos. Deste modo, uma justaposição de interesses de grupos privados nacionais e internacionais da indústria de equipamentos, medicamentos e atenção médica transformam a questão da saúde em um mercado, que assegura o fluxo de grande volume de recursos financeiros.
Neste contexto, a possibilidade de atuação eficaz do Estado, definindo políticas, programas e práticas de proteção e atenção à saúde e saneamento e regulando os interesses do mercado, depende da possibilidade da ação política de grupos sociais organizados e, portanto, de acumulação de conhecimento, articulação e poder no nível local.
Na articulação entre o Estado Nacional e os níveis locais que o integram — e onde se explicitam a diversidades das situações ambientais, sociais e de saúde — situam-se as possibilidades e limites de atendimento das necessidades de populações particulares, diminuindo as eco-desigualdades.
A operacionalização desse modelo coloca para o Estado e para a sociedade brasileira a exigência do desenvolvimento de novas propostas de coordenação interinstitucional, capacitação de recursos humanos, gerenciamento, financiamento, sistema de informações e estratégias de controle social pela população (Galo et al., 1992).
A crise econômica — que já dura uma década e é resultado de mudanças da economia mundial — e as impressionantes transferências de recursos para o exterior visando o pagamento dos juros da dívida externa, prejudicam acentuadamente a capacidade de investimentos econômicos e sociais no país, agravando as desigualdades e limitando severamente a aplicação de recursos na proteção à saúde e ao ambiente.
Programas anteriores de financiamento ao saneamento, à construção de habitações e ao controle de endemias foram interrompidos ou prejudicados após conseguirem resultados importantes, mesmo tendo sido concretizados através de práticas discriminatórias e centralizadoras.
Os custos sociais da pauperização, do desemprego, do aumento da mobilidade, da desestruturação das famílias, da perda de referência cultural e de resolutividade dos serviços públicos já recaem pesadamente e de modo desigual sobre a sociedade brasileira.
O aumento generalizado da violência, em suas diversas modalidades de expressão, é um resultado direto desses processos.
O próprio conceito de saúde, como valor positivo, passa a ser reavaliado quando a necessidade de garantir a conservação biológica do indivíduo e da família exige o desenvolvimento de estratégias de sobrevivência estranhas ao seu ambiente cultural.
Os indicadores de saúde de que dispomos não conseguem registrar a multiplicidade de perfis epidemiológicos dos diferentes grupos sociais que compõem a sociedade brasileira, mas apontam algumas tendências que refletem o resultado dos investimentos públicos realizados anteriormente ao período recessivo.
Nas últimas décadas, o acesso a serviços básicos de saneamento nas populações de cidades de médio e grande portes aumentou cinco vezes.
A transmissão intradomiciliar da doença de Chagas, que atingia uma população de mais de seis milhões de indivíduos, foi praticamente interrompida e as formas graves de esquistossomose foram muito reduzidas em todo o país através de programas especiais.
A mortalidade por doenças imunopreviníveis em crianças de O a 4 anos reduziu-se em mais de 50%, enquanto a incidência de poliomielite e raiva humanadesapareceu na maior parte das grandes cidades.
A rede instalada de serviços de saúde expandiu-se de 13.000 estabelecimentos, em 1975, para 33.600, em 1988. Apesar disso, o setor público de internação ainda é extremamente vulnerável, pois possui somente 22,9% dos 527 mil leitos disponíveis no país.
Observou-se uma queda acentuada da natalidade, embora ainda não seja possível estimar com precisão sua magnitude ou de que maneira esta queda atingiu, de modo diferenciado, os vários grupos sociais.
Durante a década de oitenta, quando a recessão econômica se instalou, observou-se comportamento atípico de alguns indicadores de mortalidade. Assim, embora amortalidade infantil ainda apresente valores incompatíveis com o desenvolvimento do país, continua mostrando uma tendência declinante, sendo estimada, em 1980, em 75 óbitos por mil nascidos vivos e, em 1987, em cerca de 60 para o Brasil como um todo. Ainda hoje, em torno de 20% de todas as mortes no primeiro ano de vida guardam relação com condições ligadas ao saneamento ambiental (Oliveira, 1989).
A prevalência de desnutrição, avaliada em crianças menores de cinco anos em dois inquéritos domiciliares (1974 e 1989), diminuiu em 62,5% quanto às formas graves e moderadas e 33,4% em relação a todas as formas (MS/Inan, 1989).
A dissociação entre os indicadores de qualidade de vida e de mortalidade infantil e desnutrição é um dado recente que parece mostrar que diversos grupos sociais desenvolveram estratégias particulares de sobrevivência, provavelmente utilizando serviços públicos de proteção à saúde.
Entretanto, persistem, e até mesmo aumentam, as diferenças entre regiões, entre populações urbanas e rurais e entre grupos sociais particulares. Isto reforça a tese de que, a despeito dos resultados globais, o modelo atual de desenvolvimento produziu, na realidade, no campo da saúde e do meio ambiente, todas as condições para que se instalem as chamadas eco-desigualdades.
Assim, no período 1980 a 1986, a probabilidade de morrer com menos de um ano de vida decresceu em 52,2% na Região Metropolitana do Rio de Janeiro e em apenas 38,6% na Região Metropolitana de Recife.
A Pesquisa Nacional sobre a Saúde e Nutrição mostra que 41,6% das crianças de O a 5 anos da área rural brasileira têm algum grau de desnutrição, contra 25,7% da área urbana. Considerando-se as formas moderadas e graves, a freqüência de desnutrição foi 4 vezes maior na Região Nordeste do que no Sul-Sudeste (MS/Inan, 1989).
A despeito dos avanços, no Brasil urbano cerca de vinte milhões de pessoas ainda não têm acesso à água tratada; setenta e cinco milhões não dispõem de serviços de esgoto, e sessenta milhões não são atendidas por coleta de lixo. Apenas 3% do lixo urbano têm disposição final adequada, 63% são lançados em cursos de água e 34%, a céu aberto.
Na Região Amazônica, o recrudescimento da malária em anos recentes, com mais de 500 mil casos/ano, coincide com a ocupação descontrolada das novas fronteiras agrícolas, movimento que não se acompanha de aumento correspondente dos serviços de proteção à saúde (Bretas, 1988).
A queda da natalidade e o aumento da expectativa de vida, em conseqüência da diminuição da mortalidade infanil, apontam para um progressivo incremento da proporção de idosos na população brasileira, com o conseqüente aumento dos agravos próprios desta faixa etária e na conhecida repercurssão sobre os serviços de saúde (Veras, 1988).
A mortalidade por câncer de pulmão, câncer de colo de útero e doenças cardiovasculares, que em outros países vem diminuindo, vem se mantendo ou mesmo aumentando no Brasil.
A mortalidade por acidentes e causas violentas tem importância crescente, sendo responsável, em 1985, por 11% do total dos óbitos, o segundo grupo mais importante dentre aqueles com causa definida.
A capacidade de sobrevivência das famílias submetidas a condições de vida degradantes parece estar próxima de atingir os limites que a exploração de recursos naturais ou de recursos dos serviços públicos, em deterioração, puderam assegurar.
A violência generalizada e a difusão do uso de tóxicos podem ser considerados indicadores da crise social que a persistência das condições de desigualdade extrema, integrada espacial e socialmente, promove.
Outro indicador da crise na saúde, enquanto resultado da combinação do modelo de desenvolvimento desigual e integrado com a recessão imposta pela lógica da economia do mercado internacional, é o ressurgimento de situações epidêmicas de doenças, que a partir de 1974, atingiram o Brasil e outros países da América Latina.
Não podem ser explicados apenas por determinações locais os aumentos da transmissão da malária, do dengue, dos surtos de leptospirose, de leishmaniose tegumentar e calazar, e, recentemente, do cólera, e mesmo a introdução da AIDS.
Doenças causadas por parasitas como a oncocercose, as arboviroses e a febre maculosa, que até então se apresentavam como de ocorrência limitada a focos bem definidos, passaram a se disseminar.
Taxas crescentes de hanseníase, tuberculose, hepatite e doenças sexualmente transmissíveis se superpõem ao padrão de diminuição da mortalidade na infância e envelhecimento da população.
Processos endêmicos-epidêmicos não podem mais ser justificados através da persistência de bolsões de pobreza, que retratam modos de vida anteriores ao desenvolvimento capitalista (Sabroza, 1991).
Na verdade, assim como a violência; a adição a drogas, os acidentes de trânsito e de trabalho e as intoxicações por pesticidas são resultados do processo de desenvolvimento, como vem sendo imposto à sociedade.
Deste modo, estes problemas não tendem a diminuir, mas, ao contrário, a aumentar, na medida que se acentuam as desigualdades, juntamente com a integração, produzindo a pauperização, a mobilidade, o desemprego e o acesso parcial a informações.
O conceito de proteção à saúde pode, em situações limites como a que se configura, ser assumido como barreira sanitária, divisão, apartheid, com risco de acentuar a discriminação e consolidar a desigualdade.
As formas de organização da sociedade civil diante do mercado induzem à constituição de grupos de pressão corporativista que lutam por seus interesses específicos, minimizando projetos que contemplem a solidariedade com o conjunto da população.
O Estado brasileiro, diante das limitações de possibilidades de financiamento e premido pela pressão de grupos de interesse, mostra-se cerceado na realização das suas funções de promover políticas de saúde e de controle ambiental, compatíveis com as exigências de modernidade e da democratização da sociedade.
Se o Estado autoritário não foi capaz, nem pretendeu ser, de atender às necessidades de proteção e atenção à saúde da população, o Estado liberal dependente também não o será.
Por outro lado, a possibilidade de ampla circulação de indivíduos, equipamentos, capital e informações viabiliza atualmente, mais do que em qualquer outra época, novas formas de organização política e social que poderão assegurar as condições de diversidade, autonomia e interação ambiental como valores positivos, dentro de um modelo de desenvolvimento auto-sustentado.
Novas modalidades de relação entre Estado, grupos sociais e indivíduos terão que ser desenvolvidas, possibilitando a construção de modelos de proteção à saúde que contemplem a justiça social na diversidade, utilizando os recursos científicos e tecnológicos, patrimônio da humanidade, de modo a assegurar uma qualidade de vida que incorpore uma relação harmônica com o ambiente.

AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem as valiosas sugestões do Dr. Rodolfo Rodriguez, representante no Brasil da Organização Pan-americana da Saúde.

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1 Artigo originalmente preparado como contribuição ao documento do Brasil para a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92) e modificado após discussão entre os autores para publicação neste periódico.
 
do site scielosp.org