terça-feira, 31 de julho de 2012

Ação Civil Pública Ambiental . Queimada de cana-de-açúcar


 RECURSO ESPECIAL Nº 1.285.463 - SP (2011/0190433-2) (f)

RELATOR : MINISTRO HUMBERTO MARTINS

RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

RECORRIDO : ASSOCIAÇÃO DOS PLANTADORES DE CANA DA

REGIÃO DE JAÚ

RECORRIDO : COMPANHIA DE TECNOLOGIA DE SANEAMENTO

AMBIENTAL CETESB

RECORRIDO : FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO



RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS

(Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO

PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, com fundamento no art. 105, inciso

III, alínea "a", da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do

Estado de São Paulo assim ementado:

"I - Embargos infringentes. Ação Civil Pública Ambiental.

Queimada de cana-de-açúcar. Recentes estudos feitos pelos

institutos avançados demonstram que a fuligem da cana-de-açucar

não ocasiona o surgimento de qualquer tipo de processo

cancerígeno.

II - Inexistindo dado científico concreto, o Judiciário não

pode paralisar a atividade canavieira do Estado que dá, pelo

menos, 15 milhões de empregos diretos e indiretos, especialmente

nesta quadra em que o desemprego do Estado já alcança 6,4% da

população economicamente ativa.

III - Embargos rejeitados." (e-STJ fls. 1095)

Rejeitados os embargos de declaração opostos (e-STJ fls. 1148).

No presente recurso especial, o recorrente alega que o acórdão

estadual contrariou as disposições contidas nos arts. 27, parágrafo único da Lei n.

4.771/65, 3º, I, II, III e IV, 4º, I e VII e 14, § 1º da Lei n. 6.938/81, arts. 1º, IV e

21 da Lei Federal n. 7.347/85, 6º, VIII da Lei Federal n. 8.078/90 e aos arts. 2º, I,

3º, IV e 4º, IV da Lei Federal n. 8.171/91.

O recorrente interpôs o simultâneo recurso extraordinário (fls.

1210/1232).

Apresentadas as contrarrazões (e-STJ fls. 1186/1208 e 1236/1240),

sobreveio o juízo de admissibilidade negativo da instância de origem (e-STJ fls.

1240/1241).

Este Relator houve por bem dar provimento ao agravo de

instrumento para determinar a subida do presente recurso especial (e-STJ fls.

1262).

É, no essencial, o relatório.



RECURSO ESPECIAL Nº 1.285.463 - SP (2011/0190433-2) (f)

EMENTA

DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

CANA-DE-AÇÚCAR. QUEIMADAS. ART. 21, PARÁGRAFO

ÚNICO, DA LEI N. 4771/65. DANO AO MEIO AMBIENTE.

PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. QUEIMA DA PALHA DE

CANA. EXISTÊNCIA DE REGRA EXPRESSA PROIBITIVA.

EXCEÇÃO EXISTENTE SOMENTE PARA PRESERVAR

PECULIARIDADES LOCAIS OU REGIONAIS

RELACIONADAS À IDENTIDADE CULTURAL.

INAPLICABILIDADE ÀS ATIVIDADES AGRÍCOLAS

INDUSTRIAIS.

1. O princípio da precaução, consagrado formalmente pela Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento - Rio 92 (ratificada pelo Brasil), a ausência de
certezas científicas não pode ser argumento utilizado para postergar a adoção de medidas eficazes para a proteção ambiental. Na dúvida, prevalece a defesa do meio ambiente.

2. A situação de tensão entre princípios deve ser resolvida pela ponderação, fundamentada e racional, entre os  valores conflitantes. Em face dos princípios democráticos e da Separação dos Poderes, é o Poder Legislativo quem possui a primazia no processo de ponderação, de modo que o Judiciário  deve intervir apenas no caso de ausência ou desproporcionalidade da opção adotada pelo legislador.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Resíduos Sólidos - Uma Reflexão





Renato Lima Charnaux Sertã
Juiz Titular da 8ª Vara de Fazenda Pública do Rio de Janeiro-RJ
                                                                 Professor de Direito Civil na PUC-RIO e na EMERJ
    
                      Introdução: 

Neste alvorecer do terceiro milênio, a população mundial assiste – por vezes atônita – ao desenrolar de acontecimentos alarmantes que parecem ter se precipitado na última década. Crescimento da violência, guerras com uso de armas cada vez mais letais, intensificação da desigualdade social e econômica, surgimento de doenças até então desconhecidas, explosão populacional, poluição, mudanças climáticas, esgotamento de reservas naturais.
Nas rodas de conversa, o fantasma do aquecimento global – ameaça que já se tornou fato concreto – parece agora dividir as atenções com as demais mazelas da humanidade que, embora tardiamente, volta-se para a perseguição de um ideal que até então parecia de pouco relevo: desenvolver a economia sem esgotar os recursos e riquezas do planeta; em outras palavras, o (agora) tão decantado “desenvolvimento sustentável”.
A sociedade hodierna em geral, e a brasileira em particular, vem sendo testemunhas dessas transformações, tão profundas quanto céleres. E como é natural, na busca de soluções nasce uma infinidade de conflitos de interesse. Enquanto uns querem aumentar a produção a qualquer custo para atender à crescente demanda de alimentos e bens, outros sustentam que tal desiderato não pode significar a degradação do meio ambiente para as gerações presentes e futuras.
Ao Poder Público resta engendrar resposta adequada à solução de tais conflitos, seja pela edição de leis, marcos regulatórios e outros instrumentos normativos, seja pelo pronunciamento do Poder Judiciário em casos concretos.

A problemática do lixo:


Conseqüência direta da sanha desenvolvimentista, o lixo, conhecido tecnicamente como “resíduo sólido”, vem ocupando cada vez mais o cenário atual. Antes esquecido, agora é lembrado a todo instante, pois cada vez fica mais difícil escondê-lo.
Nada obstante, e como centelha de alento, vale lembrar que de todos os aspectos ligados ao desenvolvimento, o destino do resíduo sólido parece ser aquele sobre o qual a sociedade pode interferir mais decisivamente. Em outras palavras, a solução há de depender não somente das autoridades governamentais, mas de toda a população.
Com efeito, se o cidadão comum sente-se incapaz de evitar que as fábricas poluam a atmosfera, que as indústrias emitam gases de “efeito estufa”, que os laboratórios inventem substâncias artificiais que venham a prejudicar o equilíbrio da Natureza, essa sensação de impotência já não ocorre com tanta intensidade no que se refere aos resíduos sólidos.
É que o cidadão pode – e deve – através de reflexão diária, mudar de atitude em relação ao material que descarta, pensando sobre sua origem, importância e destino final.
Ao mesmo tempo, pode – e também deve – cobrar das autoridades uma fiscalização mais efetiva sobre o manejo de tais resíduos, nos mais variados níveis.
Os conflitos que daí decorrem são cada vez mais freqüentemente trazidos ao exame do Poder Judiciário, exigindo pronta solução, não somente para as partes envolvidas, mas sobretudo em direção à coletividade.

Previsão legal  e suas peculiaridades: 

Já contamos  hoje com regra específica sobre o tema, a Lei Federal 12.305, de 2 de agosto de 2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, e  introduziu importantes modificações no cenário até então vigente.
Entre elas, pode-se destacar a noção de responsabilidade conjunta dos mais variados setores da sociedade pela produção e destino do lixo. Preconiza a lei que todos, produtores, comerciantes,  fornecedores e consumidores, devem se dispor a tratar do problema. Confira-se o parágrafo 1º do seu artigo 1º : 

“Parágrafo 1º - Estão sujeitos à observância desta Lei as pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, responsáveis, direta ou indiretamente, pela geração de resíduos sólidos e as que desenvolvam ações relacionadas à gestão integrada ou ao gerenciamento de resíduos sólidos.”

Nesse ponto, é de se observar que os cidadãos deixam de ser meros expectadores, para alcançar o patamar de colaboradores e agentes de cobrança de soluções. O indivíduo continua merecendo proteção estatal (situação bastante presente, por exemplo, no contexto do Código de Proteção e Defesa do Consumidor – Lei 8078/90), porém passa a ser também responsabilizado pela intervenção direta no enfrentamento do problema, mormente no que concerne ao manejo dos resíduos sólidos: sinal de maturidade da sociedade democrática, que convoca  o cidadão à constante participação.
Ao mesmo tempo, os detentores dos modos de produção industrial são explicitamente concitados a se responsabilizar pelas conseqüências da colocação de seus produtos no mercado, especialmente quanto ao que ocorre após o consumo.
Tal é a função do novel instituto da “logística reversa”, segundo o qual os resíduos do consumo (v.g., embalagens vazias, baterias usadas), conquanto pertençam ao consumidor, devem ser recolhidos às expensas do fornecedor, posto que este, e não aquele, dispõe de meios adequados à retirada de tais resíduos de circulação, de modo a livrar a comunidade das nefastas conseqüências de seu acúmulo. Nesse diapasão, determina o artigo 33 da Lei 12.305/10: 

“Art. 33 – São obrigados a estruturar e implementar sistemas de logística reversa, mediante retorno dos produtos após o uso pelo consumidor, de forma independente do serviço público de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de:

I – agrotóxicos, seus resíduos, embalagens, assim com produtos cuja embalagem, após o uso, constitua resíduo perigoso, observadas as regras de gerenciamento de resíduos perigosos  previstas em lei ou regulamento, em normas estabelecidas pelos órgãos do Sisnama, do SNVS e do Suasa,ou em normas técnicas;.

II – pilhas e baterias;

III – pneus;

IV – óleos lubrificantes, seus resíduos e embalagens;

V – lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio  e de luz mista;

VI – produtos eletroeletrônicos e seus componentes. 

É, no entanto, na dinâmica da coleta do lixo, que iremos encontrar o campo mais fértil para o florescimento de boas práticas pela população, de modo a colaborar decisivamente para a solução do destino dos resíduos sólidos.
A Lei 12305/10 preconiza a chamada “coleta seletiva”, hábito que de há muito já vem sendo adotado com sucesso em numerosos países, e mesmo entre nós, principalmente na Região Sul. Dispõe o seu artigo 36:

“Artigo 36 – No âmbito da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, cabe ao titular dos serviços públicos de limpeza e de manejo de resíduos sólidos, observado, se houver, o plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos:

I – (...).

II – estabelecer sistema de coleta seletiva;” 

Diante da notória dificuldade de se instalar tais sistemas em todos os recantos no País, sugere-se enfaticamente que, no melhor espírito da solidariedade e compartilhamento das atuações, preconizado pela própria lei em seu artigo 6º, inciso VI, que todos os cidadãos, mesmo antes de tal implementação, adotem postura pro ativa e procedam imediatamente, no âmbito de seus lares, à coleta seletiva de seus resíduos. Mesmo que em fase embrionária, separando simplesmente o lixo orgânico (“lixo molhado”) do lixo inorgânico (“lixo seco”), consideramos que tal prática inaugurará uma nova e definitiva era na solução do problema. Na seqüência, se o Poder Público ainda não recolhe seletivamente o lixo, já existem numerosas cooperativas no seio da sociedade civil, que se dispõem a empreender tal coleta seletiva, em domicílio. Relembre-se que o “lixo seco” tem alto potencial de reaproveitamento, e conteúdo econômico relevante.
A alternativa depende, volte-se a frisar, da iniciativa de cada um de nós.


A principiologia como solução na área judicial 

São numerosas, outrossim, as situações acerca do manejo dos resíduos sólidos que a lei não prevê, a gerar conflitos de interesse em quantidade crescente, que não raro irão desaguar no Judiciário.
Felizmente, na era do pós-positivismo, os princípios foram alçados à condição de norma jurídica para, ao lado das regras escritas, apontar o verdadeiro Direito, ferramenta essencial do magistrado na prolação de sua sentença.
À guisa de exemplo, apontem-se as questões concernentes ao fechamento dos depósitos de lixo – denominados “lixões” – e sua substituição pelos “aterros sanitários”.
Solução muito mais adequada – embora longe de ser ideal – o aterro sanitário atende com proveito aos preceitos contidos na Lei 12305/10, desde que, é claro, seja revestido do aparato tecnicamente recomendado para a sua implantação e manutenção ao longo dos anos.
Todavia, no que toca à localização de tais aterros, o conflito de interesses torna por vezes difícil a sua escolha. É que todos querem a solução cômoda, sem atentar para o óbvio fato de que afastar o lixo de si significa aproximá-lo de outrem.
O dilema aliás, é próprio dos seres humanos, imperfeitos e egoístas em essência. O instinto de sobrevivência e auto-conservação que temos, muitas vezes nos dificulta a visão do conjunto, e nos impede de perceber que, ao fim e ao cabo, fazemos parte de um único todo.
Muitos louvam a construção de presídios de segurança máxima, desde que sejam erguidos em outro Estado da Federação. De outro lado, é fácil criticar o corte de árvores pelo vizinho, difícil é renunciar a um projeto construtivo para preservar árvores em seu próprio terreno...
Assim, a escolha, pelo Poder Público, do local de um novo aterro sanitário constituirá sempre um foco de interesses contrários na comunidade local. Ninguém há de querer um aterro nas proximidades de seu lar e muitos serão as alegações sobre a inconveniência e prejuízos de toda ordem para a população das cercanias.
Chamado a se pronunciar (no bojo de ações populares, ações civis públicas ou outros procedimentos judiciais), o magistrado deverá, na busca da solução, servir-se da gama de princípios aplicáveis ao caso concreto, alguns deles inclusive referidos na própria lei dos resíduos sólidos.
Um deles (que lá está, no inciso XI do artigo 6º ), mas que precede em muito a edição da lei, base que é para a constituição da sociedade democrática, vem a ser o princípio da razoabilidade. Através dos seus subprincípios doutrinariamente identificados (adequação, necessidade ou exigibilidade e proporcionalidade em sentido estrito), poderá o julgador aquilatar se o alvitre cogitado quanto à implantação do aterro em determinada localidade atende ao fim almejado,  ao mesmo tempo em que se apresenta como a única solução viável. Por fim, há de se examinar, com o auxílio de perícia idônea e eficaz, se a construção e manutenção do aterro sanitário procurará minorar tanto quanto possível as conseqüências gravosas à comunidade vizinha ao empreendimento, evitando vazamento de dejetos para o subsolo, organizando o fluxo de caminhões de lixo nas vias próximas , e adaptando as mesmas à nova realidade.
Esta é apenas uma entre tantas questões que se apresentam, e outras  hão de surgir acerca de tema tão delicado quanto importante para a vida – e sobrevida – de todos nós enquanto habitantes do planeta.

Conclusão: 

De qualquer sorte, estamos cientes de que é longo o caminho a ser percorrido, e que jamais vislumbraremos seu fim. Todavia, podemos pavimentá-lo para as gerações futuras, e o manejo consciente dos instrumentos jurídicos de que hoje dispomos pode servir de norte às soluções que hão de vir. 
Rio de Janeiro, julho de 2012