terça-feira, 31 de julho de 2012

Ação Civil Pública Ambiental . Queimada de cana-de-açúcar


 RECURSO ESPECIAL Nº 1.285.463 - SP (2011/0190433-2) (f)

RELATOR : MINISTRO HUMBERTO MARTINS

RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

RECORRIDO : ASSOCIAÇÃO DOS PLANTADORES DE CANA DA

REGIÃO DE JAÚ

RECORRIDO : COMPANHIA DE TECNOLOGIA DE SANEAMENTO

AMBIENTAL CETESB

RECORRIDO : FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO



RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS

(Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO

PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, com fundamento no art. 105, inciso

III, alínea "a", da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do

Estado de São Paulo assim ementado:

"I - Embargos infringentes. Ação Civil Pública Ambiental.

Queimada de cana-de-açúcar. Recentes estudos feitos pelos

institutos avançados demonstram que a fuligem da cana-de-açucar

não ocasiona o surgimento de qualquer tipo de processo

cancerígeno.

II - Inexistindo dado científico concreto, o Judiciário não

pode paralisar a atividade canavieira do Estado que dá, pelo

menos, 15 milhões de empregos diretos e indiretos, especialmente

nesta quadra em que o desemprego do Estado já alcança 6,4% da

população economicamente ativa.

III - Embargos rejeitados." (e-STJ fls. 1095)

Rejeitados os embargos de declaração opostos (e-STJ fls. 1148).

No presente recurso especial, o recorrente alega que o acórdão

estadual contrariou as disposições contidas nos arts. 27, parágrafo único da Lei n.

4.771/65, 3º, I, II, III e IV, 4º, I e VII e 14, § 1º da Lei n. 6.938/81, arts. 1º, IV e

21 da Lei Federal n. 7.347/85, 6º, VIII da Lei Federal n. 8.078/90 e aos arts. 2º, I,

3º, IV e 4º, IV da Lei Federal n. 8.171/91.

O recorrente interpôs o simultâneo recurso extraordinário (fls.

1210/1232).

Apresentadas as contrarrazões (e-STJ fls. 1186/1208 e 1236/1240),

sobreveio o juízo de admissibilidade negativo da instância de origem (e-STJ fls.

1240/1241).

Este Relator houve por bem dar provimento ao agravo de

instrumento para determinar a subida do presente recurso especial (e-STJ fls.

1262).

É, no essencial, o relatório.



RECURSO ESPECIAL Nº 1.285.463 - SP (2011/0190433-2) (f)

EMENTA

DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

CANA-DE-AÇÚCAR. QUEIMADAS. ART. 21, PARÁGRAFO

ÚNICO, DA LEI N. 4771/65. DANO AO MEIO AMBIENTE.

PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. QUEIMA DA PALHA DE

CANA. EXISTÊNCIA DE REGRA EXPRESSA PROIBITIVA.

EXCEÇÃO EXISTENTE SOMENTE PARA PRESERVAR

PECULIARIDADES LOCAIS OU REGIONAIS

RELACIONADAS À IDENTIDADE CULTURAL.

INAPLICABILIDADE ÀS ATIVIDADES AGRÍCOLAS

INDUSTRIAIS.

1. O princípio da precaução, consagrado formalmente pela Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento - Rio 92 (ratificada pelo Brasil), a ausência de
certezas científicas não pode ser argumento utilizado para postergar a adoção de medidas eficazes para a proteção ambiental. Na dúvida, prevalece a defesa do meio ambiente.

2. A situação de tensão entre princípios deve ser resolvida pela ponderação, fundamentada e racional, entre os  valores conflitantes. Em face dos princípios democráticos e da Separação dos Poderes, é o Poder Legislativo quem possui a primazia no processo de ponderação, de modo que o Judiciário  deve intervir apenas no caso de ausência ou desproporcionalidade da opção adotada pelo legislador.


3. O legislador brasileiro, atento a essa questão, disciplinou o uso do fogo no processo produtivo agrícola, quando prescreveu no art. 27, parágrafo único da Lei n. 4.771/65 que o
Poder Público poderia autoriza-lo em práticas agropastoris ou florestais desde que em razão de peculiaridades locais ou regionais.

4. Buscou-se, com isso, compatibilizar dois valores protegidos na Constituição Federal de 1988, quais sejam, o meio ambiente e a cultura ou o modo de fazer, este quando necessário à sobrevivência dos pequenos produtores que retiram seu sustento da
atividade agrícola e que não dispõem de outros métodos para o exercício desta, que não o uso do fogo.

5. A interpretação do art. 27, parágrafo único do Código Florestal não pode conduzir ao entendimento de que estão por ele abrangidas as atividades agroindustriais ou agrícolas
organizadas, ou seja, exercidas empresarialmente, pois dispõe de condições financeiras para implantar outros métodos menos ofensivos ao meio ambiente. Precedente: (AgRg nos EDcl no REsp 1094873/SP, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma,  julgado em 04/08/2009, DJe 17/08/2009).

6. Ademais, ainda que se entenda que é possível à administração pública autorizar a queima da palha da cana de açúcar em atividades agrícolas industriais, a permissão deve ser específica, precedida de estudo de impacto ambiental e  licenciamento, com a implementação de medidas que viabilizem amenizar os danos e a recuperar o ambiente, Tudo isso em respeito ao art. 10 da Lei n. 6.938/81. Precedente: (EREsp 418.565/SP, Rel.
Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, julgado em 29/09/2010, DJe 13/10/2010).

Recurso especial provido.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS

(Relator):

DO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

O recurso especial comporta conhecimento, porquanto atende os pressupostos recursais.

DA ALEGADA VIOLAÇÃO DA LEGISLAÇÃO FEDERAL

Consta dos autos que o Ministério Público do Estado de São Paulo  ajuizou ação civil pública com o objetivo de impedir a queima da palha da cana de açúcar na região do Município de Jaú, tendo em vista que tal prática acarretaria intensos danos ao meio ambiente.

Ao julgar o recurso de apelação e, posteriormente, os embargos infringentes, entendeu o Tribunal de origem que:

"2. A queimada da cana não causa os danos descritos no recurso. A indústria sucro-alcoleira, ao contrário do alegado, resolve questão econômico-social porque a introdução das colheitadeiras e o reescalonamento da mão-de-obra afeta tanto o interesse público no plano do desemprego do que a proteção do  meio ambiente.

3. A queima da folhagem seca da cana não é proibida. A Lei Política Nacional do Meio Ambiente propôs diretrizes gerais sobre  proteção a ele, não estabelecendo com relação às queimadas qualquer tipo de vedação em culturas regulares renovadas, como, aliás, observou o que foi decidido no julgamento da apelação nº 45.503.5/3...

4. Na verdade, o Pró-Álcool trouxe ao meio ambiente enormes benefícios. Diminuiu os índices de chumbo na atmosfera paulista (de 1,2 micrograma em 1978 para 0,2  icrograma em 1987) e de dióxido de enxofre (de 130 de microgramas em 1977 para 60 microgramas em 1989). A par disso ocorreu diminuição  da produção de monóxido de carbono ou da produção alternativa  para substituição de um combustível fóssil.

5. Demais disso, cumpre ressaltar que, enquanto o carbono da cana é cíclico, indo para a atmosfera quando de sua queima, seja como álcool ou como palha, é ainda reabsorvido pela planta ao crescer e o carbono do combustível fóssil, ao ser liberado para a atmosfera, não voltará a fossilizar-se.

6. Conclui-se daí que a fuligem que cai tem somente efeitos de  incômodo e de estética, quando as casas são recentemente pintadas.

7. Quanto ao câncer, toda fumaça é prejudicial, mas a pior delas é a derivada dos combustíveis fósseis.

8. Analisando sob o aspecto de custo/benefício, verifica-se que a cultura da cana-de-açúcar, mesmo com a queima da palha, é preferível à utilização de combustíveis fósseis, sem considerar os inúmeros derramamentos de petróleo na plataforma marítima.

...

10. Mais a mais, o Decreto nº 47.700, de 11 de março de 2003, regulamenta a Lei nº 11.241/2002, que dispõe sobre a eliminação gradativa da queima da palha da cana-de-açúcar, dispondo em seus arts. 1º e 2º, que a eliminação do uso do fogo para a queima será feita de forma gradativa, observadas tabelas definidoras do ano/percentual da área onde deverá haver a eliminação, determinando um programa iniciado em 2002 com 20% de eliminação, até o ano de 2021 com 100% de eliminação (para área mecanizável) e um programa a ser iniciado em 2011 com 10% de eliminação, até o ano 2031 com 100% de eliminação da queima (para área não mecanizável)." (fls. 1096/1103 )
O acórdão merece reforma.
Conforme se observa, o Tribunal de origem faz considerações de ordem fática, no sentido de que a queima da palha da cana de açúcar é quase que um mal necessário, pois o álcool combustível trouxe mais benefício ao meio ambiente que o combustível fóssil, bem como, resolve questão econômico social.
O cerne da questão não é o benefício produzido ao meio ambiente pelo combustível verde. Isto está fora de dúvidas. Também não se discute nos autos qual a política energética que deve ser adotada pelo país, principalmente no Estado de São Paulo. O que deve ser analisado é se o método da queima da palha da cana de açúcar, inserido no processo de produção, deve ser vedado, por causar danos ambientais.

Delimitado o objeto que deve ser apreciado, colhe-se do acórdão que inexiste dado científico concreto de que a queima da palha e a fuligem da cana-de-açúcar ocasionem danos ambientais ou o surgimento de qualquer tipo de processo cancerígeno.

À primeira vista, pode parecer que infirmar esta conclusão enseje violação da Súmula 7 desta Corte Superior. Todavia, não é isso que acontece.

Não é preciso revisar as provas e dados fáticos constantes no acórdão para sentenciar que a proteção ao meio ambiente é incondicionada a certezas científicas.

Segundo o princípio da precaução, consagrado formalmente pela Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento - Rio 92, a ausência de certezas científicas não pode ser argumento utilizado para postergar a adoção de medidas eficazes para a proteção ambiental. Na dúvida, prevalece a defesa do meio ambiente.

Eis o teor do princípio 15 da Declaração do Rio de Janeiro:

"De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com as suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental ." (Grifei)

Vale destacar que a Convenção do Rio de Janeiro teve sua

ratificação autorizada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo

2, de 3.2.1994, tendo entrado em vigor para o Brasil em 29 de maio de 1994 e

promulgada pelo Decreto 2.519, de 16.3.98.

Há ainda outro tratado internacional, ao qual o Brasil aderiu (Decreto Legislativo 1, de 3.2.1994), que consagra o princípio da precaução.

Trata-se da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima que, em seu art. 3º dispõe que "As partes devem adotar medidas de precaução para prever, evitar ou minimizar as causas da mudança do clima e mitigar seus efeitos negativos. Quando surgirem ameaças de danos sérios ou irreversíveis, a falta de plena certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar essas medidas ..." (Grifei)

Em doutrina, diz-se que "no mundo da precaução há uma dupla

fonte de incerteza: o perigo ele mesmo considerado e a ausência de

conhecimentos científicos sobre o perigo. A precaução visa justamente a gerir a

espera da informação. Ela nasce da diferença temporal entre a necessidade

imediata de ação e o momento onde nossos conhecimentos científicos vão

modificar-se " (Nicolas Treich e Gremaq, apud MACHADO, Direito Ambiental

Brasileiro . São Paulo: Malheiros, 2005, p. 64)

Portanto, a ausência de certeza científica, longe de justificar uma

ação possivelmente degradante do meio ambiente, deveria incitar o julgador a

mais prudência.

Tudo isso, obviamente, deve harmonizar-se com o

desenvolvimento sócio-econômico, não podendo obstá-lo de modo irremediável.

Deve-se, aqui, buscar uma solução para o que parece ser uma tensão entre

postulados constitucionais.

Ensina-nos a moderna teoria constitucional que a situação de tensão

de princípios deve ser resolvida pela ponderação, fundamentada e racional, entre

os valores conflitantes. Leciona também que, em face dos princípios democrático

e da Separação dos Poderes, é o Poder Legislativo quem possui a primazia no

processo de ponderação, de modo que o Judiciário deve intervir apenas no caso

de ausência ou desproporcionalidade da opção adotada pelo legislador.

O legislador brasileiro, atento a essa questão, disciplinou o uso do

fogo no processo produtivo agrícola, quando previu, no art. 27, parágrafo único

da Lei n. 4.771/65 que:

"Art. 27. É proibido o uso de fogo nas florestas e demais

formas de vegetação.

Parágrafo único. Se peculiaridades locais ou regionais

justificarem o emprego do fogo em práticas agropastoris ou

florestais, a permissão será estabelecida em ato do Poder Público,

circunscrevendo as áreas e estabelecendo normas de precaução"

Observe-se que a lei prevê a permissão para o emprego do fogo em

práticas agropastoris ou florestais desde que em razão de peculiaridades locais ou

regionais.

Busca-se, com isso, compatibilizar dois valores protegidos na

Constituição Federal de 1988, quais sejam, o meio ambiente e a cultura ou o

modo de fazer, este quando necessário à sobrevivência dos pequenos produtores

que retiram seu sustento da atividade agrícola e que não dispõem de outros

métodos para o exercício desta, que não o uso do fogo.

Conforme já me posicionei em decisão anterior, a interpretação do

art. 27, parágrafo único do Código Florestal não pode conduzir ao entendimento

de que estão por ele abrangidas as atividades agroindustriais ou agrícolas

organizadas, ou seja, exercidas empresarialmente.

Neste sentido:

"AMBIENTAL – DIREITO FLORESTAL – AÇÃO CIVIL

PÚBLICA – CANA-DE-AÇÚCAR – QUEIMADAS – ARTIGO 21,

PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N. 4771/65 (CÓDIGO

FLORESTAL) E DECRETO FEDERAL N. 2.661/98 – DANO AO

MEIO AMBIENTE – EXISTÊNCIA DE REGRA EXPRESSA

PROIBITIVA DA QUEIMA DA PALHA DE CANA – EXCEÇÃO

EXISTENTE SOMENTE PARA PRESERVAR PECULIARIDADES

LOCAIS OU REGIONAIS RELACIONADAS À IDENTIDADE

CULTURAL – VIABILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DAS

QUEIMADAS PELO USO DE TECNOLOGIAS MODERNAS –

PREVALÊNCIA DO INTERESSE ECONÔMICO NO PRESENTE

CASO – IMPOSSIBILIDADE.

1. Os estudos acadêmicos ilustram que a queima da palha da

cana-de-açúcar causa grandes danos ambientais e que,

considerando o desenvolvimento sustentado, há instrumentos e

tecnologias modernos que podem substituir tal prática sem

inviabilizar a atividade econômica.

2. A exceção do parágrafo único do artigo 27 da Lei n.

4.771/65 deve ser interpretada com base nos postulados jurídicos e

nos modernos instrumentos de linguística, inclusive com

observância – na valoração dos signos (semiótica) – da semântica,

da sintaxe e da pragmática.

3. A exceção apresentada (peculiaridades locais ou

regionais) tem como objetivo a compatibilização de dois valores

protegidos na Constituição Federal/88: o meio ambiente e a

cultura (modos de fazer). Assim, a sua interpretação não pode

abranger atividades agroindustriais ou agrícolas organizadas,

ante a impossibilidade de prevalência do interesse econômico

sobre a proteção ambiental quando há formas menos lesivas de

exploração.

Agravo regimental improvido."

(AgRg nos EDcl no REsp 1094873/SP, Rel. Min. Humberto

Martins, Segunda Turma, julgado em 04/08/2009, DJe 17/08/2009)

Portanto, as atividades agroindustriais, ante o seu poder econômico,

não podem valer-se da autorização constante no art. 27, parágrafo único do

Código Florestal para realizar queimadas, pois dispõe de condições financeiras

para implantar outros métodos menos ofensivos ao meio ambiente. Em tais

situações, estaria vedado ao Poder Público emitir essas autorizações.

Ademais, aqui em obiter dictum , ainda que se entenda que é

possível à administração pública autorizar a queima da palha da cana de açúcar

em atividades agrícolas industriais, a permissão deve ser específica, precedida de

estudo de impacto ambiental e o licenciamento, com a implementação de

medidas que viabilizem amenizar os danos e a recuperar o ambiente.

Tudo isso em respeito ao art. 10 da Lei n. 6.938/81, segundo o qual,

"a construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e

atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente

poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental

dependerão de prévio licenciamento ambiental. " (Grifei)

Neste sentido:

"AMBIENTAL. AGRAVO REGIMENTAL. QUEIMA DE

PALHA DE CANA-DE-AÇÚCAR. PRÁTICA QUE CAUSA DANOS

AO MEIO AMBIENTE. NECESSIDADE DE PRÉVIA

AUTORIZAÇÃO DOS ÓRGÃOS PÚBLICOS COMPETENTES.

1. Discute-se nos autos se a queimada de palha de

cana-de-açúcar é medida que, em tese, pode causar danos ao meio

ambiente e se se trata de prática possível a luz do ordenamento

jurídico vigente.

2. Em decisão monocrática, foi dado provimento ao recurso

especial do Ministério Público, interposto com fundamento nas

alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, tendo sido (i) fixado

que a queimada de palhas de cana-de-açúcar causa danos ao meio

ambiente e, por isso, só pode ser realizada com a chancela do

Poder Público e (ii) determinada a remessa dos autos à origem

para que lá seja apreciada a causa com base nos elementos fixados

na jurisprudência do STJ, vale dizer, levando-se em consideração

a existência ou não de autorização do Poder Público, na forma do

art. 27, p. ún., do Código Florestal.

3. No regimental, sustenta a agravante (i) a impossibilidade

de julgamento da lide pelo art. 557 do Código de Processo Civil -

CPC, (ii) a inexistência de prequestionamento dos dispositivos

legais apontados no especial e a ausência de demonstração do

dissídio jurisprudencial, (iii) a incidência da Súmula n. 7 desta

Corte Superior, (iv) o não-cabimento de recurso especial, uma vez

que a origem validou lei local em face da Constituição da

República vigente (cabimento de recurso extraordinário), (v) a

existência de lei local autorizando a prática da queimada.

4. Não assiste razão à parte agravante, sob qualquer

perspectiva.

5. Em primeiro lugar, no âmbito da Segunda Turma desta

Corte Superior, pacificou-se o entendimento segundo o qual a

queimada de palha de cana-de-açúcar causa danos ao meio

ambiente, motivo pelo qual sua realização fica na pendência de

autorização dos órgãos ambientais competentes, sendo

perfeitamente possível, portanto, o julgamento da lide com base no

art. 557 do CPC. A título de exemplo, v. REsp 439.456/SP, Rel.

Min. João Otávio de Noronha, Segunda Turma, DJU 26.3.2007.

Não fosse isso bastante, a apreciação do agravo regimental pela

Turma convalida eventual vício.

6. Em segundo lugar, a instância ordinária enfrentou a

questão da queima de palha de cana-se-açúcar e suas

conseqüências ambientais, motivo pelo qual não cabe falar em

ausência de prequestionamento do art. 27 do Código Florestal -

que trata justamente dessa temática no âmbito da legislação

infraconstitucional federal. O enfrentamento da tese basta para o

cumprimento do requisito constitucional.

7. Em terceiro lugar, não encontra óbice na Súmula n. 7 do

Superior Tribunal de Justiça o provimento que assevera, em tese,

quais são o entendimento da Corte Superior a respeito do tema e

qual a norma aplicável à espécie, remetendo os autos à origem

para que lá sejam reanalisados os fatos e as provas dos autos em

cotejo com a jurisprudência do STJ. Inclusive, quando do

julgamento monocrático, ficou asseverado que "não há menção, no

acórdão recorrido, acerca da (in)existência de autorização

ambiental própria no caso em comento, sendo vedado a esta Corte

Superior a análise do conjunto fático-probatório (incidência da

Súmula n. 7)". Por isso, foi determinada a remessa dos autos à

origem para que lá venha a ser apreciada a causa levando-se em

consideração a existência ou não de autorização do Poder Público,

na forma do art. 27, p. ún., do Código Florestal.

8. Em quarto lugar, a origem, em momento algum, enfrentou

a controvérsia dos autos confrontando a validade de lei local com

a Constituição da República. Ao contrário, discutindo dispositivos

de leis estaduais, chegou à conclusão de que a queima de palha de

cana-de-açúcar era viável e não causava danos ao meio ambiente.

Não há que se falar, portanto, em cabimento de recurso

extraordinário, no lugar de recurso especial.

9. Em quinto e último lugar, a existência de lei estadual que

prevê, genericamente, o uso do fogo como método despalhador

desde que atendidos certos requisitos não é suficiente para afastar

a exigência prevista em legislação federal, que é a existência

específica de autorização dos órgãos competentes. Não custa

lembrar que a licença ambiental está inserida na esfera de

competência do Executivo, e não do Legislativo (sob pena de

violação ao princípio da separação de Poderes).

10. Agravo regimental não provido."

(AgRg no REsp 1038813/SP, Rel. Min. Mauro Campbell

Marques, Segunda Turma, julgado em 20/08/2009, DJe

10/09/2009)

"PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. EMBARGOS DE

DIVERGÊNCIA. QUEIMADA DA PALHA DE

CANA-DE-AÇÚCAR. PROIBIÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 27 DO

CÓDIGO FLORESTAL.

1. "Segundo a disposição do art. 27 da Lei n. 4.771/85, é

proibido o uso de fogo nas florestas e nas demais formas de

vegetação – as quais abrangem todas as espécies –,

independentemente de serem culturas permanentes ou renováveis.

Isso ainda vem corroborado no parágrafo único do mencionado

artigo, que ressalva a possibilidade de se obter permissão do

Poder Público para a prática de queimadas em atividades

agropastoris, se as peculiaridades regionais assim indicarem"

(REsp 439.456/SP, 2ª T., Min. João Otávio de Noronha, DJ de

26/03/2007). Indispensável considerar que "[as] queimadas,

sobretudo nas atividades agroindustriais ou agrícolas organizadas

ou empresariais, são incompatíveis com os objetivos de proteção

do meio ambiente estabelecidos na Constituição Federal e nas

normas ambientais infraconstitucionais. Em época de mudanças

climáticas, qualquer exceção a essa proibição geral, além de

prevista expressamente em lei federal, deve ser interpretada

restritivamente pelo administrador e juiz" (REsp 1000731, 2a.

Turma, Min.Herman Benjamin, DJ de 08.09.09).

2. Assim, a palha da cana-de açúcar está sujeita ao regime do

art. 27 e seu parágrafo do Código Florestal, razão pela qual sua

queimada somente é admitida mediante prévia autorização dos

órgãos ambientais competentes, nos termos do parágrafo único do

mesmo artigo e do disposto no Decreto 2.661/98, sem prejuízo de

outras exigências constitucionais e legais inerentes à tutela

ambiental, bem como da responsabilidade civil por eventuais

danos de qualquer natureza causados ao meio ambiente e a

terceiros.

3. Embargos de Divergência improvidos."

(EREsp 418.565/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki,

Primeira Seção, julgado em 29/09/2010, DJe 13/10/2010)

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial.

É como penso. É como voto.

MINISTRO HUMBERTO MARTINS

Relator

do site do STJ

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