RECURSO ESPECIAL Nº 1.285.463 - SP
(2011/0190433-2) (f)
RELATOR
: MINISTRO HUMBERTO MARTINS
RECORRENTE
: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
RECORRIDO
: ASSOCIAÇÃO DOS PLANTADORES DE CANA DA
REGIÃO
DE JAÚ
RECORRIDO
: COMPANHIA DE TECNOLOGIA DE SANEAMENTO
AMBIENTAL
CETESB
RECORRIDO
: FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO
RELATÓRIO
O
EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS
(Relator):
Cuida-se
de recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO
PÚBLICO
DO ESTADO DE SÃO PAULO, com fundamento no art. 105, inciso
III,
alínea "a", da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de
Justiça do
Estado
de São Paulo assim ementado:
"I
- Embargos infringentes. Ação Civil Pública Ambiental.
Queimada
de cana-de-açúcar. Recentes estudos feitos pelos
institutos
avançados demonstram que a fuligem da cana-de-açucar
não
ocasiona o surgimento de qualquer tipo de processo
cancerígeno.
II
- Inexistindo dado científico concreto, o Judiciário não
pode
paralisar a atividade canavieira do Estado que dá, pelo
menos,
15 milhões de empregos diretos e indiretos, especialmente
nesta
quadra em que o desemprego do Estado já alcança 6,4% da
população
economicamente ativa.
III
- Embargos rejeitados." (e-STJ fls. 1095)
Rejeitados
os embargos de declaração opostos (e-STJ fls. 1148).
No
presente recurso especial, o recorrente alega que o acórdão
estadual
contrariou as disposições contidas nos arts. 27, parágrafo único da Lei n.
4.771/65,
3º, I, II, III e IV, 4º, I e VII e 14, § 1º da Lei n. 6.938/81, arts. 1º, IV e
21
da Lei Federal n. 7.347/85, 6º, VIII da Lei Federal n. 8.078/90 e aos arts. 2º,
I,
3º,
IV e 4º, IV da Lei Federal n. 8.171/91.
O
recorrente interpôs o simultâneo recurso extraordinário (fls.
1210/1232).
Apresentadas
as contrarrazões (e-STJ fls. 1186/1208 e 1236/1240),
sobreveio
o juízo de admissibilidade negativo da instância de origem (e-STJ fls.
1240/1241).
Este
Relator houve por bem dar provimento ao agravo de
instrumento
para determinar a subida do presente recurso especial (e-STJ fls.
1262).
É,
no essencial, o relatório.
RECURSO
ESPECIAL Nº 1.285.463 - SP (2011/0190433-2) (f)
EMENTA
DIREITO
AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
CANA-DE-AÇÚCAR.
QUEIMADAS. ART. 21, PARÁGRAFO
ÚNICO,
DA LEI N. 4771/65. DANO AO MEIO AMBIENTE.
PRINCÍPIO
DA PRECAUÇÃO. QUEIMA DA PALHA DE
CANA.
EXISTÊNCIA DE REGRA EXPRESSA PROIBITIVA.
EXCEÇÃO
EXISTENTE SOMENTE PARA PRESERVAR
PECULIARIDADES
LOCAIS OU REGIONAIS
RELACIONADAS
À IDENTIDADE CULTURAL.
INAPLICABILIDADE
ÀS ATIVIDADES AGRÍCOLAS
INDUSTRIAIS.
1.
O princípio da precaução, consagrado formalmente pela
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento
- Rio 92 (ratificada pelo Brasil), a ausência de
certezas
científicas não pode ser argumento utilizado para postergar a
adoção de medidas eficazes para a proteção ambiental. Na dúvida,
prevalece a defesa do meio ambiente.
2.
A situação de tensão entre princípios deve ser resolvida
pela ponderação, fundamentada e racional, entre os valores
conflitantes. Em face dos princípios democráticos e da Separação
dos Poderes, é o Poder Legislativo quem possui a primazia
no processo de ponderação, de modo que o Judiciário deve
intervir apenas no caso de ausência ou desproporcionalidade da
opção adotada pelo legislador.
3.
O legislador brasileiro, atento a essa questão, disciplinou
o uso do fogo no processo produtivo agrícola, quando prescreveu
no art. 27, parágrafo único da Lei n. 4.771/65 que o
Poder
Público poderia autoriza-lo em práticas agropastoris ou florestais
desde que em razão de peculiaridades locais ou regionais.
4.
Buscou-se, com isso, compatibilizar dois valores protegidos
na Constituição Federal de 1988, quais sejam, o meio ambiente
e a cultura ou o modo de fazer, este quando necessário à sobrevivência
dos pequenos produtores que retiram seu sustento da
atividade
agrícola e que não dispõem de outros métodos para o exercício
desta, que não o uso do fogo.
5.
A interpretação do art. 27, parágrafo único do Código
Florestal não pode conduzir ao entendimento de que estão por
ele abrangidas as atividades agroindustriais ou agrícolas
organizadas,
ou seja, exercidas empresarialmente, pois dispõe de condições
financeiras para implantar outros métodos menos ofensivos
ao meio ambiente. Precedente: (AgRg nos EDcl no REsp 1094873/SP,
Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado
em 04/08/2009, DJe 17/08/2009).
6.
Ademais, ainda que se entenda que é possível à administração
pública autorizar a queima da palha da cana de açúcar
em atividades agrícolas industriais, a permissão deve ser específica,
precedida de estudo de impacto ambiental e licenciamento,
com a implementação de medidas que viabilizem amenizar
os danos e a recuperar o ambiente, Tudo isso em respeito ao
art. 10 da Lei n. 6.938/81. Precedente: (EREsp 418.565/SP, Rel.
Min.
Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, julgado em 29/09/2010,
DJe 13/10/2010).
Recurso
especial provido.
VOTO
O
EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS
(Relator):
DO
JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE
O
recurso especial comporta conhecimento, porquanto atende os pressupostos
recursais.
DA
ALEGADA VIOLAÇÃO DA LEGISLAÇÃO FEDERAL
Consta
dos autos que o Ministério Público do Estado de São Paulo ajuizou
ação civil pública com o objetivo de impedir a queima da palha da cana de
açúcar na região do Município de Jaú, tendo em vista que tal prática acarretaria
intensos danos ao meio ambiente.
Ao
julgar o recurso de apelação e, posteriormente, os embargos infringentes,
entendeu o Tribunal de origem que:
"2.
A queimada da cana não causa os danos descritos no recurso.
A indústria sucro-alcoleira, ao contrário do alegado, resolve
questão econômico-social porque a introdução das colheitadeiras
e o reescalonamento da mão-de-obra afeta tanto o interesse
público no plano do desemprego do que a proteção do meio
ambiente.
3.
A queima da folhagem seca da cana não é proibida. A Lei Política
Nacional do Meio Ambiente propôs diretrizes gerais sobre proteção
a ele, não estabelecendo com relação às queimadas qualquer
tipo de vedação em culturas regulares renovadas, como, aliás,
observou o que foi decidido no julgamento da apelação nº 45.503.5/3...
4.
Na verdade, o Pró-Álcool trouxe ao meio ambiente enormes
benefícios. Diminuiu os índices de chumbo na atmosfera paulista
(de 1,2 micrograma em 1978 para 0,2 icrograma em 1987)
e de dióxido de enxofre (de 130 de microgramas em 1977 para
60 microgramas em 1989). A par disso ocorreu diminuição da
produção de monóxido de carbono ou da produção alternativa para
substituição de um combustível fóssil.
5.
Demais disso, cumpre ressaltar que, enquanto o carbono da
cana é cíclico, indo para a atmosfera quando de sua queima, seja
como álcool ou como palha, é ainda reabsorvido pela planta ao
crescer e o carbono do combustível fóssil, ao ser liberado para a
atmosfera, não voltará a fossilizar-se.
6.
Conclui-se daí que a fuligem que cai tem somente efeitos de incômodo
e de estética, quando as casas são recentemente pintadas.
7.
Quanto ao câncer, toda fumaça é prejudicial, mas a pior delas
é a derivada dos combustíveis fósseis.
8.
Analisando sob o aspecto de custo/benefício, verifica-se que
a cultura da cana-de-açúcar, mesmo com a queima da palha, é preferível
à utilização de combustíveis fósseis, sem considerar os inúmeros
derramamentos de petróleo na plataforma marítima.
...
10.
Mais a mais, o Decreto nº 47.700, de 11 de março de 2003,
regulamenta a Lei nº 11.241/2002, que dispõe sobre a eliminação
gradativa da queima da palha da cana-de-açúcar, dispondo
em seus arts. 1º e 2º, que a eliminação do uso do fogo para
a queima será feita de forma gradativa, observadas tabelas definidoras
do ano/percentual da área onde deverá haver a eliminação,
determinando um programa iniciado em 2002 com 20%
de eliminação, até o ano de 2021 com 100% de eliminação (para
área mecanizável) e um programa a ser iniciado em 2011 com
10% de eliminação, até o ano 2031 com 100% de eliminação da
queima (para área não mecanizável)." (fls. 1096/1103 )
O
acórdão merece reforma.
Conforme
se observa, o Tribunal de origem faz considerações de ordem
fática, no sentido de que a queima da palha da cana de açúcar é quase que um
mal necessário, pois o álcool combustível trouxe mais benefício ao meio ambiente
que o combustível fóssil, bem como, resolve questão econômico social.
O
cerne da questão não é o benefício produzido ao meio ambiente pelo
combustível verde. Isto está fora de dúvidas. Também não se discute nos autos
qual a política energética que deve ser adotada pelo país, principalmente no Estado
de São Paulo. O que deve ser analisado é se o método da queima da palha da
cana de açúcar, inserido no processo de produção, deve ser vedado, por causar danos
ambientais.
Delimitado
o objeto que deve ser apreciado, colhe-se do acórdão que
inexiste dado científico concreto de que a queima da palha e a fuligem da cana-de-açúcar
ocasionem danos ambientais ou o surgimento de qualquer tipo de processo
cancerígeno.
À
primeira vista, pode parecer que infirmar esta conclusão enseje violação
da Súmula 7 desta Corte Superior. Todavia, não é isso que acontece.
Não
é preciso revisar as provas e dados fáticos constantes no acórdão para sentenciar
que a proteção ao meio ambiente é incondicionada a certezas científicas.
Segundo
o princípio da precaução, consagrado formalmente pela Conferência
das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento - Rio
92, a ausência de certezas científicas não pode ser argumento utilizado para postergar
a adoção de medidas eficazes para a proteção ambiental. Na dúvida, prevalece
a defesa do meio ambiente.
Eis
o teor do princípio 15 da Declaração do Rio de Janeiro:
"De
modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução
deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo
com as suas capacidades. Quando houver ameaça de danos
sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica
não deve ser utilizada como razão para postergar medidas
eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação
ambiental ." (Grifei)
Vale
destacar que a Convenção do Rio de Janeiro teve sua
ratificação
autorizada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo
2,
de 3.2.1994, tendo entrado em vigor para o Brasil em 29 de maio de 1994 e
promulgada
pelo Decreto 2.519, de 16.3.98.
Há
ainda outro tratado internacional, ao qual o Brasil aderiu (Decreto
Legislativo 1, de 3.2.1994), que consagra o princípio da precaução.
Trata-se
da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima que,
em seu art. 3º dispõe que "As partes devem adotar medidas de precaução para
prever, evitar ou minimizar as causas da mudança do clima e mitigar seus efeitos
negativos. Quando surgirem ameaças de danos sérios ou irreversíveis, a falta
de plena certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar
essas medidas ..." (Grifei)
Em
doutrina, diz-se que "no mundo da precaução há uma dupla
fonte
de incerteza: o perigo ele mesmo considerado e a ausência de
conhecimentos
científicos sobre o perigo. A precaução visa justamente a gerir a
espera
da informação. Ela nasce da diferença temporal entre a necessidade
imediata
de ação e o momento onde nossos conhecimentos científicos vão
modificar-se
" (Nicolas Treich e Gremaq, apud MACHADO, Direito Ambiental
Brasileiro
. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 64)
Portanto,
a ausência de certeza científica, longe de justificar uma
ação
possivelmente degradante do meio ambiente, deveria incitar o julgador a
mais
prudência.
Tudo
isso, obviamente, deve harmonizar-se com o
desenvolvimento
sócio-econômico, não podendo obstá-lo de modo irremediável.
Deve-se,
aqui, buscar uma solução para o que parece ser uma tensão entre
postulados
constitucionais.
Ensina-nos
a moderna teoria constitucional que a situação de tensão
de
princípios deve ser resolvida pela ponderação, fundamentada e racional, entre
os
valores conflitantes. Leciona também que, em face dos princípios democrático
e
da Separação dos Poderes, é o Poder Legislativo quem possui a primazia no
processo
de ponderação, de modo que o Judiciário deve intervir apenas no caso
de
ausência ou desproporcionalidade da opção adotada pelo legislador.
O
legislador brasileiro, atento a essa questão, disciplinou o uso do
fogo
no processo produtivo agrícola, quando previu, no art. 27, parágrafo único
da
Lei n. 4.771/65 que:
"Art.
27. É proibido o uso de fogo nas florestas e demais
formas
de vegetação.
Parágrafo
único. Se peculiaridades locais ou regionais
justificarem
o emprego do fogo em práticas agropastoris ou
florestais,
a permissão será estabelecida em ato do Poder Público,
circunscrevendo
as áreas e estabelecendo normas de precaução"
Observe-se
que a lei prevê a permissão para o emprego do fogo em
práticas
agropastoris ou florestais desde que em razão de peculiaridades locais ou
regionais.
Busca-se,
com isso, compatibilizar dois valores protegidos na
Constituição
Federal de 1988, quais sejam, o meio ambiente e a cultura ou o
modo
de fazer, este quando necessário à sobrevivência dos pequenos produtores
que
retiram seu sustento da atividade agrícola e que não dispõem de outros
métodos
para o exercício desta, que não o uso do fogo.
Conforme
já me posicionei em decisão anterior, a interpretação do
art.
27, parágrafo único do Código Florestal não pode conduzir ao entendimento
de
que estão por ele abrangidas as atividades agroindustriais ou agrícolas
organizadas,
ou seja, exercidas empresarialmente.
Neste
sentido:
"AMBIENTAL
– DIREITO FLORESTAL – AÇÃO CIVIL
PÚBLICA
– CANA-DE-AÇÚCAR – QUEIMADAS – ARTIGO 21,
PARÁGRAFO
ÚNICO, DA LEI N. 4771/65 (CÓDIGO
FLORESTAL)
E DECRETO FEDERAL N. 2.661/98 – DANO AO
MEIO
AMBIENTE – EXISTÊNCIA DE REGRA EXPRESSA
PROIBITIVA
DA QUEIMA DA PALHA DE CANA – EXCEÇÃO
EXISTENTE
SOMENTE PARA PRESERVAR PECULIARIDADES
LOCAIS
OU REGIONAIS RELACIONADAS À IDENTIDADE
CULTURAL
– VIABILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DAS
QUEIMADAS
PELO USO DE TECNOLOGIAS MODERNAS –
PREVALÊNCIA
DO INTERESSE ECONÔMICO NO PRESENTE
CASO
– IMPOSSIBILIDADE.
1.
Os estudos acadêmicos ilustram que a queima da palha da
cana-de-açúcar
causa grandes danos ambientais e que,
considerando
o desenvolvimento sustentado, há instrumentos e
tecnologias
modernos que podem substituir tal prática sem
inviabilizar
a atividade econômica.
2.
A exceção do parágrafo único do artigo 27 da Lei n.
4.771/65
deve ser interpretada com base nos postulados jurídicos e
nos
modernos instrumentos de linguística, inclusive com
observância
– na valoração dos signos (semiótica) – da semântica,
da
sintaxe e da pragmática.
3.
A exceção apresentada (peculiaridades locais ou
regionais)
tem como objetivo a compatibilização de dois valores
protegidos
na Constituição Federal/88: o meio ambiente e a
cultura
(modos de fazer). Assim, a sua interpretação não pode
abranger
atividades agroindustriais ou agrícolas organizadas,
ante
a impossibilidade de prevalência do interesse econômico
sobre
a proteção ambiental quando há formas menos lesivas de
exploração.
Agravo
regimental improvido."
(AgRg
nos EDcl no REsp 1094873/SP, Rel. Min. Humberto
Martins,
Segunda Turma, julgado em 04/08/2009, DJe 17/08/2009)
Portanto,
as atividades agroindustriais, ante o seu poder econômico,
não
podem valer-se da autorização constante no art. 27, parágrafo único do
Código
Florestal para realizar queimadas, pois dispõe de condições financeiras
para
implantar outros métodos menos ofensivos ao meio ambiente. Em tais
situações,
estaria vedado ao Poder Público emitir essas autorizações.
Ademais,
aqui em obiter dictum , ainda que se entenda que é
possível
à administração pública autorizar a queima da palha da cana de açúcar
em
atividades agrícolas industriais, a permissão deve ser específica, precedida de
estudo
de impacto ambiental e o licenciamento, com a implementação de
medidas
que viabilizem amenizar os danos e a recuperar o ambiente.
Tudo
isso em respeito ao art. 10 da Lei n. 6.938/81, segundo o qual,
"a
construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e
atividades
utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente
poluidores
ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental
dependerão
de prévio licenciamento ambiental. " (Grifei)
Neste
sentido:
"AMBIENTAL.
AGRAVO REGIMENTAL. QUEIMA DE
PALHA
DE CANA-DE-AÇÚCAR. PRÁTICA QUE CAUSA DANOS
AO
MEIO AMBIENTE. NECESSIDADE DE PRÉVIA
AUTORIZAÇÃO
DOS ÓRGÃOS PÚBLICOS COMPETENTES.
1.
Discute-se nos autos se a queimada de palha de
cana-de-açúcar
é medida que, em tese, pode causar danos ao meio
ambiente
e se se trata de prática possível a luz do ordenamento
jurídico
vigente.
2.
Em decisão monocrática, foi dado provimento ao recurso
especial
do Ministério Público, interposto com fundamento nas
alíneas
"a" e "c" do permissivo constitucional, tendo sido (i)
fixado
que
a queimada de palhas de cana-de-açúcar causa danos ao meio
ambiente
e, por isso, só pode ser realizada com a chancela do
Poder
Público e (ii) determinada a remessa dos autos à origem
para
que lá seja apreciada a causa com base nos elementos fixados
na
jurisprudência do STJ, vale dizer, levando-se em consideração
a
existência ou não de autorização do Poder Público, na forma do
art.
27, p. ún., do Código Florestal.
3.
No regimental, sustenta a agravante (i) a impossibilidade
de
julgamento da lide pelo art. 557 do Código de Processo Civil -
CPC,
(ii) a inexistência de prequestionamento dos dispositivos
legais
apontados no especial e a ausência de demonstração do
dissídio
jurisprudencial, (iii) a incidência da Súmula n. 7 desta
Corte
Superior, (iv) o não-cabimento de recurso especial, uma vez
que
a origem validou lei local em face da Constituição da
República
vigente (cabimento de recurso extraordinário), (v) a
existência
de lei local autorizando a prática da queimada.
4.
Não assiste razão à parte agravante, sob qualquer
perspectiva.
5.
Em primeiro lugar, no âmbito da Segunda Turma desta
Corte
Superior, pacificou-se o entendimento segundo o qual a
queimada
de palha de cana-de-açúcar causa danos ao meio
ambiente,
motivo pelo qual sua realização fica na pendência de
autorização
dos órgãos ambientais competentes, sendo
perfeitamente
possível, portanto, o julgamento da lide com base no
art.
557 do CPC. A título de exemplo, v. REsp 439.456/SP, Rel.
Min.
João Otávio de Noronha, Segunda Turma, DJU 26.3.2007.
Não
fosse isso bastante, a apreciação do agravo regimental pela
Turma
convalida eventual vício.
6.
Em segundo lugar, a instância ordinária enfrentou a
questão
da queima de palha de cana-se-açúcar e suas
conseqüências
ambientais, motivo pelo qual não cabe falar em
ausência
de prequestionamento do art. 27 do Código Florestal -
que
trata justamente dessa temática no âmbito da legislação
infraconstitucional
federal. O enfrentamento da tese basta para o
cumprimento
do requisito constitucional.
7.
Em terceiro lugar, não encontra óbice na Súmula n. 7 do
Superior
Tribunal de Justiça o provimento que assevera, em tese,
quais
são o entendimento da Corte Superior a respeito do tema e
qual
a norma aplicável à espécie, remetendo os autos à origem
para
que lá sejam reanalisados os fatos e as provas dos autos em
cotejo
com a jurisprudência do STJ. Inclusive, quando do
julgamento
monocrático, ficou asseverado que "não há menção, no
acórdão
recorrido, acerca da (in)existência de autorização
ambiental
própria no caso em comento, sendo vedado a esta Corte
Superior
a análise do conjunto fático-probatório (incidência da
Súmula
n. 7)". Por isso, foi determinada a remessa dos autos à
origem
para que lá venha a ser apreciada a causa levando-se em
consideração
a existência ou não de autorização do Poder Público,
na
forma do art. 27, p. ún., do Código Florestal.
8.
Em quarto lugar, a origem, em momento algum, enfrentou
a
controvérsia dos autos confrontando a validade de lei local com
a
Constituição da República. Ao contrário, discutindo dispositivos
de
leis estaduais, chegou à conclusão de que a queima de palha de
cana-de-açúcar
era viável e não causava danos ao meio ambiente.
Não
há que se falar, portanto, em cabimento de recurso
extraordinário,
no lugar de recurso especial.
9.
Em quinto e último lugar, a existência de lei estadual que
prevê,
genericamente, o uso do fogo como método despalhador
desde
que atendidos certos requisitos não é suficiente para afastar
a
exigência prevista em legislação federal, que é a existência
específica
de autorização dos órgãos competentes. Não custa
lembrar
que a licença ambiental está inserida na esfera de
competência
do Executivo, e não do Legislativo (sob pena de
violação
ao princípio da separação de Poderes).
10.
Agravo regimental não provido."
(AgRg
no REsp 1038813/SP, Rel. Min. Mauro Campbell
Marques,
Segunda Turma, julgado em 20/08/2009, DJe
10/09/2009)
"PROCESSUAL
CIVIL E AMBIENTAL. EMBARGOS DE
DIVERGÊNCIA.
QUEIMADA DA PALHA DE
CANA-DE-AÇÚCAR.
PROIBIÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 27 DO
CÓDIGO
FLORESTAL.
1.
"Segundo a disposição do art. 27 da Lei n. 4.771/85, é
proibido
o uso de fogo nas florestas e nas demais formas de
vegetação
– as quais abrangem todas as espécies –,
independentemente
de serem culturas permanentes ou renováveis.
Isso
ainda vem corroborado no parágrafo único do mencionado
artigo,
que ressalva a possibilidade de se obter permissão do
Poder
Público para a prática de queimadas em atividades
agropastoris,
se as peculiaridades regionais assim indicarem"
(REsp
439.456/SP, 2ª T., Min. João Otávio de Noronha, DJ de
26/03/2007).
Indispensável considerar que "[as] queimadas,
sobretudo
nas atividades agroindustriais ou agrícolas organizadas
ou
empresariais, são incompatíveis com os objetivos de proteção
do
meio ambiente estabelecidos na Constituição Federal e nas
normas
ambientais infraconstitucionais. Em época de mudanças
climáticas,
qualquer exceção a essa proibição geral, além de
prevista
expressamente em lei federal, deve ser interpretada
restritivamente
pelo administrador e juiz" (REsp 1000731, 2a.
Turma,
Min.Herman Benjamin, DJ de 08.09.09).
2.
Assim, a palha da cana-de açúcar está sujeita ao regime do
art.
27 e seu parágrafo do Código Florestal, razão pela qual sua
queimada
somente é admitida mediante prévia autorização dos
órgãos
ambientais competentes, nos termos do parágrafo único do
mesmo
artigo e do disposto no Decreto 2.661/98, sem prejuízo de
outras
exigências constitucionais e legais inerentes à tutela
ambiental,
bem como da responsabilidade civil por eventuais
danos
de qualquer natureza causados ao meio ambiente e a
terceiros.
3.
Embargos de Divergência improvidos."
(EREsp
418.565/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki,
Primeira
Seção, julgado em 29/09/2010, DJe 13/10/2010)
Ante
o exposto, dou provimento ao recurso especial.
É
como penso. É como voto.
MINISTRO
HUMBERTO MARTINS
Relator
do site do STJ
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