Espeleologista
da Vale analisa caverna em Carajás: são 187 delas na área do S11D, das quais 16
de 'máxima relevância' arqueológica Lalo de Almeida / The New York Times
CANAÃ
DOS CARAJÁS (PA) - Há um mês a Vale comemorou a emissão pelo Ibama da Licença
de Instalação do projeto de minério de ferro S11D, na Serra Sul de Carajás
(PA), o maior da história da companhia e da indústria mundial da mineração.
Encravado no meio da Floresta Amazônica, o projeto traz desafios ambientais da
magnitude dos investimentos necessários para tirá-lo do papel. Serão US$ 19,6
bilhões, dos quais US$ 8 bilhões na mina e em uma unidade de processamento e
US$ 11,6 bilhões em logística.
Para
que esses recursos sejam executados, no entanto, a empresa precisa cumprir
condicionantes impostas pelo órgão ambiental relativas à preservação de lagoas
e cavernas que, numa primeira avaliação da companhia, poderiam comprometer
metade da reserva considerada no cálculo de viabilidade econômica do projeto. O
S11D tem reservas provadas e prováveis de 4,2 bilhões de toneladas de minério
de ferro. O desafio da Vale, especialmente no caso das lagoas, é mantê-las com
uma área de preservação em seu entorno, possivelmente menor que a determinada
pelo Ibama.
Na
Floresta Nacional de Carajás (Flona), onde o S11D será implementado, há 943
espécies de vertebrados. Muitas bebem água nessas lagoas, batizadas de Violão e
Amendoim. Sua importância deve-se ao fato de servirem como um reservatório
perene para matar a sede da fauna local, num lugar onde boa parte das lagoas
some no período seco.
Como
estão no topo da serra e distantes dos lençóis freáticos, são abastecidas pela
água da chuva. Por isso, uma das 20 condicionantes que constam da LI é que
sejam preservadas as lagoas e as áreas de recarga (que ficam em torno das
lagoas, por onde a chuva escorre até alcançá-las). A distância mínima entre a
borda da lagoa e a cava que será aberta pela Vale para extrair o minério deve
ser de 500 metros, segundo o Ibama.
Compensação
na Serra da Bocaina
A
Vale deu entrada no pedido de licença para o S11D em novembro de 2009. No seu
estudo de impacto ambiental (EIA-Rima) estava prevista a exploração de minério
em área que, na avaliação do Ibama, poderia interferir nas lagoas, além da
supressão de dezenas de cavernas e mais de mil hectares de vegetação — entre
floresta e canga, que é a vegetação típica de áreas com afloramentos de minério
de ferro. Em seu parecer técnico, o Ibama recomendou que as lagoas e as áreas
de recarga fossem preservadas, e que fosse respeitado o limite de 250 metros de
distância das “cavernas de máxima relevância”.
Na
sua resposta ao órgão ambiental, a Vale informou que “as perdas de reserva de
minério de ferro em decorrência da obrigatória manutenção dos perímetros de
proteção das cavidades de relevância máxima e as áreas de contribuição das
Lagoas do Violão e do Amendoim, representariam uma redução (...) que
corresponde a, aproximadamente, 52% de toda a reserva considerada para a
viabilidade econômica do Projeto Ferro Carajás S11D”. (...) “Tal fato
representaria o comprometimento da viabilidade econômica do Projeto Ferro
Carajás S11D”, disse em documento, disponível na internet, encaminhado ao
Ibama.
A
resposta da Vale é anterior à emissão da Licença Prévia (LP, emitida em junho
de 2012) e da LI, emitida no início deste mês. As recomendações do Ibama foram
mantidas nas duas licenças. Mas o órgão ambiental abre uma brecha para
flexibilização da condicionante relativa às lagoas, ao dizer que tal restrição
“será objeto de avaliação quando da conclusão de estudos de funcionalidade
ecológica”. A Vale prevê concluir os estudos até o fim deste ano e informa que
os primeiros cinco anos de lavra ocorrerão na porção leste da mina. Como as
lagoas estão na outra ponta, ao menos por esse período, o limite de 500 metros
será respeitado.
— As
lagoas são de extrema importância para a região. Não podemos correr o risco de
perdê-las — diz Frederico Martins, crítico do projeto e chefe da Flona, unidade
de conservação ambiental mantida pelo ICMBio, em parceria com a Vale.
No
caso das cavernas, a Vale identificou 187 delas na área do S11D, das quais 16
de máxima relevância (os graus de relevância são determinados com base em
características físicas e no material arqueológico encontrado nas cavidades).
Estas serão integralmente preservadas. No entanto, haverá “impactos negativos
irreversíveis em 35 cavidades de alta relevância”.
Segundo
Martins, há apenas três ou quatro cavernas na Serra Sul de Carajás onde habita
uma espécie de morcego chamada Natalus, e uma delas está na área do projeto
S11D. Para compensar as cavernas que serão suprimidas, a Vale terá que
preservar 70 cavernas da mesma categoria em outra região, na Serra da Bocaina,
área contígua à Flona.
—
São cavernas com as mesmas características. A ideia que estamos discutindo com
o Ibama é a possível extensão da unidade de conservação da Flona para a Serra
da Bocaina. Já compramos 2.700 hectares lá, para compensar os cerca de 2.700
hectares de área que o S11D vai ocupar — diz Rodrigo Dutra, gerente de Meio
Ambiente Ferrosos, Ferrovia e Porto da Vale.
Clareza
dos Riscos
Segundo
a Vale, a área que será desmatada para o S11D inclui 37% de pastagem, 34% de
savana (ou canga) e 27% de floresta. Martins demonstra preocupação com a savana
que será suprimida, pois essa configuração de canga no meio da floresta
tropical é única no país.
A
Vale diz que, com o S11D, a atividade mineral em Carajás ocupará 3,3% dos
4.119,5 Km² da Flona, incluindo savana e floresta. O problema, para Martins, é
que boa parte dessa ocupação se dará sobre a canga e, com o S11D, 30% dessa
vegetação estariam comprometidos.
—
Meu receio é que, se a gente não conseguir impor limites, acabe extinguindo
todo um ecossistema. Defendemos um zoneamento para que tenhamos clareza dos
riscos. (A repórter viajou a convite da Vale)
do site do Globo