sexta-feira, 19 de setembro de 2014

BIODIREITO, BIOÉTICA E MEIO AMBIENTE

Maria Aglaé Tedesco Vilardo
Juíza de Direito; Professora de Direito Civil da Emerj
Ex Membro do Fórum Permanente de Debates sobre o Direito do Consumidor e do Ambiente - EMERJ.



SUMÁRIO: I - ABORDAGEM TEMÁTICA E OBJETIVOS; II- IMPORTÂNCIA DO TEMA; III- OS AVANÇOS CIENTÍFICOS, A BIOÉTICA E O BIODIREITO; IV- O BIODIREITO E O MEIO AMBIENTE; A- ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS; B- PATRIMÔNIO GENÉTICO HUMANO; V- CONSIDERAÇÕES FINAIS; VI- BIBLIOGRAFIA.


I - Abordagem Temática e Objetivos

O presente texto visa a realizar breve abordagem sobre questões alcançadas pelo biodireito, novo território desbravado pelo direito, sob a perspectiva constitucional ambiental. A constituição assegura ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, buscando tornar este direito efetivo através de controle e fiscalização de pesquisas biológicas e científicas que envolvam patrimônio genético ou que possam oferecer risco à vida.
Sob um prisma, apreciam-se os benefícios dos avanços tecnológicos e científicos e, de outro, verifica-se a necessidade de conhecimento dos possíveis malefícios que possam advir destes avanços, fixando-se limites para as experiências.
Por fim, ressalta-se a fundamental necessidade do amplo debate acerca de tão instigantes questões, divulgando-se as descobertas para motivar a participação do cidadão ao lado do Estado, ativamente.

II - Importância do Tema

Os temas envolvidos geram expectativas as mais diversas, por vezes irreais ou quiméricas, mas não há preciosismo em estudarem-se questões práticas que já trazem implicações no presente, nem tampouco questões que brevemente clamarão por uma posição precisa do Poder Judiciário. Verifica-se o real interesse nesta discussão por conta das inúmeras possibilidades de aplicação das descobertas genéticas.
Análises genéticas prévias à concepção, bem como diagnósticos na fase pré-natal já infundem preocupação quanto ao aperfeiçoamento da espécie ou processo de seleção de seres humanos. Realizado um exame genético para saber se um feto possui doenças ou caracteres genéticos indesejáveis abrem-se dois caminhos: tratamento imediato, ainda no útero materno ou logo após o nascimento; ou a possibilidade para a mulher do aborto legal ou criminoso. Decisões judiciais no Brasil já autorizaram o aborto de feto anencéfalo, alegando a proteção da psique da mulher já que a má-formação genética grave, irreversível e inevitável é incompatível com a vida, mas ainda não há consenso jurisprudencial, havendo decisões negando esta autorização, como recentemente ocorreu em nosso Tribunal. Não se pode olvidar que o aborto clandestino é praticado por mulheres que descobrem através de exame genético que geram filhos portadores de síndrome de down onde não ocorre incompatibilidade com a vida, mas tão-somente seu restringimento.
Da mesma forma, o debate sobre alimentos geneticamente modificados, muito divulgado pela imprensa, já chegou aos Tribunais com casos concretos sendo julgados pela Justiça. Questiona-se sobre seu cultivo, comercialização e conseqüências de sua utilização, além do impacto ambiental e direitos daquele que o consome.
Como se pode observar, o debate é contemporâneo e requer conhecimentos interdisciplinares, obrigando àqueles que atuam com o direito a uma capacitação diferenciada, principalmente aos Magistrados que decidirão casos os mais diversos.

III - Os Avanços Científicos, a Bioética e o Biodireito

O prêmio Nobel de Química de 1966, Robert Curl, afirmou que se as ciências dominantes do Século XX foram a química e física, o terceiro milênio ficaria conhecido como a "era da biologia".
O progresso das pesquisas biológicas é célere e um ano representa décadas de avanço. Dos avanços científicos derivam questionamentos acerca das conseqüências e das limitações a serem impostas aos pesquisadores e à utilização do resultado das pesquisas.
BOBBIO (1995) categorizou os direitos decorrentes das pesquisas biológicas com manipulações do patrimônio genético como direitos de 4ª geração, lembrando que os direitos vão surgindo de acordo com os avanços da humanidade, tornando-se necessário protegê-la de seu próprio progresso, pois este, muitas vezes, traz ameaças à liberdade do indivíduo, além de malefícios. Não há fundamentos absolutos aos direitos do ser humano, porém é viável à humanidade partilhar de alguns valores comuns ao considerar-se a Declaração Universal dos Direitos do Homem, valores subjetivamente acolhidos pela humanidade.
Diante de novas e instigantes descobertas científicas apresentou-se um novo estudo que foi denominado de Bioética. Criado pelo oncologista americano Van Rensselaer Potter, o termo foi conceituado como "o estudo sistemático da conduta humana na área das ciências da vida e dos cuidados da saúde, na medida em que esta conduta é examinada à luz dos valores e princípios morais" pela Encyclopaedia of Bioethics, em 1978.
Os valores e princípios morais são fronteiras para limitar os extremos avanços científicos e tecnológicos no campo da ética e com esse propósito estabeleceram-se princípios de bioética divulgados pelo denominado Relatório Belmont, em 1978. Conforme apontado por BARBOZA (2002), destacam-se os princípios da autonomia, da beneficência e da justiça. O princípio da autonomia ou do respeito às pessoas seria o respeito à vontade e à intimidade de cada pessoa com base nas suas crenças e valores morais, regendo sua própria vida, dentro de limites; o princípio da beneficência significa que os tratamentos realizados devem atender aos interesses do paciente ou pessoa submetida à pesquisa, evitando-se danos ou tratamentos não reconhecidamente úteis e necessários e o princípio da justiça exige eqüidade na distribuição de bens e benefícios, no exercício da medicina e nos resultados das pesquisas científicas.
Com a dinâmica realidade e a carência de regulamentação legal, devem ser criados parâmetros para a vinculação dessas novas relações jurídicas. Princípios básicos devem ser trazidos para iluminar esses direitos. Surge, assim, o Biodireito para regular a conduta humana em relação aos avanços científicos e tecnológicos.
BARBOZA (2002) refere-se a Ramón Martín Mateo que afirma não bastar a invocação da consciência pessoal para dar soluções a estes problemas, mas há que se estabelecer valores relevantes e merecedores de proteção, superando as convicções pessoais.
A evolução científica deve ser amparada pelas leis, mas os avanços biológicos são mais céleres do que a capacidade do legislador. Observem-se quantas questões de Biodireito estão no nosso dia-a-dia. A reprodução humana assistida, atendendo ao anseio de muitas mulheres e homens em gerar um filho e circundando-a a tormentosa questão dos embriões excedentários; o transplante de órgãos e tecidos de pessoas com o organismo vivo e a necessidade de detectar-se a morte encefálica; a eutanásia e os princípios do direito à vida e da dignidade humana; a cirurgia de transgenitalismo com o propósito terapêutico específico de adequar a genitália ao sexo psíquico do transexual e suas conseqüências sociais; o aborto eugênico e o direito à vida; o patrimônio genético e a possibilidade de dano genético e sua conseqüente responsabilização civil; a clonagem e suas reais vantagens para a humanidade; os transgênicos e a possibilidade de maior produção de alimentos; enfim, inúmeras questões que assolam o mundo contemporâneo e contrapõem os diversos direitos, como o direito à vida e o direito à morte.
Na ausência de leis a tutelar estes interesses, há consenso doutrinário em buscarem-se os princípios gerais do direito, que não se confundem com os princípios constitucionais. Dizem respeito aos preceitos abstratos que passarão a bem conduzir as relações jurídicas, em cada caso concreto, na ausência de normatização específica. Muitos já constituem o direito positivo, sendo exemplos a liberdade e a solidariedade humana, entre outros.

IV - O Biodireito e o Meio Ambiente

Da análise da Constituição Federal de 1988, verificam-se, em vários dispositivos, normas relativas ao Biodireito. Ao mencionar o direito à vida digna, bem como os diversos desdobramentos deste princípio fundamental, o Constituinte aponta para o Biodireito. Dentre os mencionados desdobramentos, encontram-se, no capítulo referente ao Meio Ambiente, normas determinando a preservação da diversidade e integridade do patrimônio genético do País, além de determinação de controle da produção, comercialização e emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.
A preservação do patrimônio genético do País inclui tanto o humano quanto a fauna e a flora, alcançando a preservação das diversas espécies que o País, com a maior biodiversidade da Terra, possui.
Incluem-se, portanto, os problemas relativos aos alimentos geneticamente modificados; a mutação genética e clonagem de animais; a pesquisa do genoma humano e a utilização dos conhecimentos alcançados com a mesma, como também a clonagem humana, que serão analisados a seguir.

A - Organismos Geneticamente Modificados
Os organismos geneticamente modificados podem pertencer tanto à flora como à fauna.
Estudar estas questões e o impacto da evolução científica nas relações existentes, encontrando soluções para cada situação, atende aos princípios da precaução e prevenção. É fato notório que a prevenção evita problemas futuros. Prevenir-se é dispor-se com antecipação a fim de se impedir que se realize dano ou mal futuro. Portanto, há que se ter conhecimento suficiente quanto à possibilidade de que determinado ato possa ou não redundar em dano futuro e mediante este conhecimento poderão adotar-se práticas que impeçam que eventual dano previsto ocorra. Já a precaução, ainda na seara ante factum, implica em cautela antecipada, antes mesmo de haver evidência ou comprovação de que tal ou qual ato poderá provocar dano futuro. Há incerteza quanto ao nexo de causalidade entre o ato a ser perpetrado e a possibilidade de dano. Se há dúvida, o ato deve ser evitado, somente se permitindo quando certa a inofensividade da conduta.
Cultivam-se os alimentos geneticamente modificados que trazem muitas dúvidas quanto à segurança de sua produção e consumo. Tais alimentos são produzidos sob a afirmativa de que possuem melhor resistência às pragas que atacam plantações, que sua produção em larga escala ajudaria no combate à fome e que se busca melhor qualidade nutricional. Ao lado destes fatores há que se levar em consideração a ausência de conhecimento exato sobre os efeitos das mutações genéticas dos alimentos sobre o organismo humano, além do impacto ambiental na cadeia natural dos microorganismos que acabam tornando-se mais fortes para sobreviverem à nova espécie potencializada. A interferência do homem na natureza pode trazer inúmeros benefícios, mas a natureza não deixa de se adaptar ao novo.
O cultivo de alimentos geneticamente modificados, chamados de transgênicos, é realizado em larga escala no Brasil, tendo havido recentemente intervenção do Presidente da República para proibição da comercialização interna de soja transgênica, muito embora seu antecessor tenha permitido o plantio.
Cogitou-se a venda daquela produção para a Argentina, Canadá, China ou Estados Unidos, países que produzem e consomem alimentos transgênicos. Graves problemas, de ordem social e econômica, surgem, quando, não tendo sido proibido o plantio, veda-se a comercialização do produto no Brasil.
Embora os defensores do plantio e comercialização dos transgênicos afirmem que a polêmica sobre os mesmos seja baseada em hipóteses, não havendo provas ou estudos que concluam que os transgênicos são prejudiciais ao ser humano, é fundamental ter em mente que o encadeamento natural das espécimes vegetais e animais será, de qualquer forma, alterado. Os insetos sofrerão mutação natural para adaptação ao novo meio que lhe é proporcionado, alguns outros serão extintos sem a certeza das conseqüências de sua ausência. Alguns vegetais deixarão de existir sem terem sido explorados em toda sua potencialidade.
Há decisão judicial proibindo o plantio de um tipo específico de soja transgênica antes do estudo de impacto ambiental.
A segurança do meio ambiente deve ser o primeiro foco observado, até porque o estudo prévio de impacto ambiental é exigência constitucional. Viabilizada tal possibilidade, há que se ter em mente os direitos daquele que vai consumir o alimento geneticamente modificado, consagrando-se o inarredável direito à informação.
O Decreto Nº 4.680, de 24 de abril de 2003, que regulamenta o direito à informação, assegurado pelo Código do Consumidor, quanto aos alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados, determinou que o consumidor deverá ser informado da natureza transgênica do produto quando houver presença acima do limite de 1%, autorizando redução pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, revogando o Decreto Nº 3871/01 que fixava o limite em 4% do produto.
O novo Decreto acrescentou um artigo determinando que o consumidor também deverá ser informado sobre a espécie doadora do gene. Em outro artigo obrigou a informação ao consumidor quando os alimentos e ingredientes forem produzidos a partir de animais alimentados com ração contendo ingredientes transgênicos. Há enorme relevância social destas determinações legais, pois o consumidor poderá efetivar sua escolha com maior consciência.
Entretanto, somente a mera informação de componentes do produto não atende ao direito à informação em sua completude. O consumidor necessita ter a compreensão do que cada componente poderá causar em seu organismo. Não basta o conhecimento funcional.
Saliente-se que a lei brasileira concede o direito de propriedade industrial sobre processo ou produto obtido a partir de amostra de componente do patrimônio genético da fauna ou flora. A Lei de Cultivares, nº. 9456/97, concede a patente por até 18 anos o que pode originar um monopólio. Grave, também, a perspectiva de que sementes transgênicas compradas pelo plantador, em alguns casos, poderiam ser utilizadas uma única vez, devendo ser adquiridas novas a cada cultivo, fato alertado por SOARES (in Temas de Bioética e Biodireito). Ou, ainda, sementes que exigiriam herbicida personalizado obrigando sua aquisição conjunta. Seria percorrer caminho contrário ao trilhado pelo Código de Defesa do Consumidor.
Na manipulação genética somente entre animais e entre humanos e animais surge perspectiva muito interessante chamada de xenotransplantes, onde órgãos de animais, principalmente do porco, seriam utilizados para transplantes nos seres humanos suprindo a carência de doadores. Nos Estados Unidos, foi concedida autorização judicial para experimentos em seres humanos, inobstante esta pesquisa esbarrar no problema imunológico. Em seu artigo, "Biotecnologia genética na agricultura e na pecuária", BURILLO (in CASABONA, 2002), denomina de genes comprometidos eticamente àquelas transferências genéticas que afetam a determinados grupos quando há inserção de genes de animais proibidos a certas religiões para outros animais permitidos ou transferência de genes de animais a vegetais independente dos conceitos dos vegetarianos.
Como se observa há possibilidade de muitas vantagens para a humanidade devendo haver ponderação sobre os riscos e o limite de suportabilidade dos mesmos para que possam ser usufruídos os benefícios.

B - Patrimônio Genético Humano
No tocante ao patrimônio genético do ser humano foi recentemente anunciada a conclusão de seu mapeamento surgindo grandes perspectivas. É fascinante saber que o ser humano conhece seu encadeamento genético e as combinações de proteínas, gerando inúmeras possibilidades de cura de doenças através de tratamentos personalizados. Após a pesquisa concluída em tempo muito menor ao inicialmente previsto, pode-se depreender a celeridade da evolução científica em busca da materialização dos desejos humanos de uma vida longa e saudável. Contudo, ao lado destas extraordinárias possibilidades há que se ter a devida precaução em razão do desconhecimento do rumo que as pesquisas e empreendimentos científicos podem tomar.
Pesquisas genéticas em determinadas mulheres que resultam em indicação de propensão ao desenvolvimento de graves doenças têm sido determinantes no sentido de extirpação de mamas independente de início da enfermidade, mas somente da expectativa da doença. Abortos são realizados clandestinamente em razão de testes genéticos no feto que indicam doenças possíveis. Embriões são escolhidos de acordo com suas melhores características genéticas, sem, contudo, saber-se o que fazer com os embriões não utilizados e, normalmente, sem qualquer intenção de utilização futura.
Outra reflexão importante é quanto à utilização das informações genéticas que não podem, de modo algum, ser fonte de discriminação em qualquer tipo de relação, seja no âmbito público ou privado, como nos contratos de trabalho ou relativos aos contratos de seguros de vida e planos de saúde, conforme lembrado por CASABONA. Deixar de contratar um empregado porque seu fator genético indica a possibilidade de contrair doença grave que o afastaria de suas atividades ou a negativa de contrato de seguro em razão de exame genético indicar que o contratante tem alta probabilidade de doença coronariana faz surgir uma expectativa de risco zero para qualquer negociante e fere frontalmente princípios como o da dignidade humana, fazendo com que as pessoas passassem a ser estigmatizadas por sua carga genética.
Também soa inadmissível a utilização de exames genéticos para avaliação de personalidades a fim de caracterizar possíveis criminosos, mas tão-somente para efeitos de identificação de autoria de crimes ou determinação de inocência de acusados, isto porque princípios fundamentais também estariam sendo confrontados.
A legislação brasileira, através da Lei nº 8974/95, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização no uso de técnicas de engenharia genética na construção, cultivo manipulação, transporte, comercialização, consumo, liberação e descarte de organismo geneticamente modificado, visando a proteger a vida e a saúde do homem, a flora e a fauna.
A Lei veda expressamente a manipulação genética de células germinais humanas, o que significa que no Brasil não é permitida a clonagem humana, constituindo crime punido com pena de detenção de três meses a um ano. Caso resulte em morte, a pena de reclusão poderá ser de seis a vinte anos.
O Brasil é um dos poucos países que domina a técnica de clonagem animal, onde a partir de uma célula de um adulto, sem a participação de patrimônios genéticos distintos, reproduz-se um ser vivo. Ou separam-se as células de um único embrião ou transfere-se o núcleo de uma célula para um óvulo. Os benefícios vislumbrados dizem respeito ao aprimoramento de animais para consumo alimentício de melhor qualidade e até preservação de animais em extinção, além do já mencionado transplante de órgãos.
A clonagem humana teria como propósitos a reprodução, na hipótese de infertilidade, e fins terapêuticos para substituição de tecidos e órgãos doentes.
É vedada, por lei, a intervenção em material genético humano in vivo, exceto para o tratamento de defeitos genéticos, afirmando-se expressamente o respeito aos princípios éticos, tais como o princípio de autonomia e o princípio de beneficência.
A lei criminaliza a intervenção in vivo em material genético de animais, excetuados os casos em que se constituam em avanços significativos na pesquisa científica e no desenvolvimento tecnológico, determinando sejam respeitados os princípios, denominados éticos, da responsabilidade e da prudência, além de aprovação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio. Esses avanços significativos terão que ser analisados em cada caso, dada a subjetividade da expressão. A mencionada lei de Biossegurança determina que a indenização ou reparação dos danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por atividade de engenharia genética, independe da existência de culpa. É a consagrada responsabilidade objetiva, seguindo os ditames constitucionais.
Indiscutível que a humanidade anseie por descobertas que, enfim, produzam um prognóstico para uma vida saudável e de qualidade. Com tantas possibilidades e desenvolvimento científico não mais se aceita, apenas, um diagnóstico de doença se há possibilidade de conhecê-la antes mesmo de seu surgimento. Todavia, não se deve colocar em risco qualquer vida, uma única vida sequer, nem tampouco se afrontar princípios éticos e valores criados e respeitados ao longo de décadas. Não que os valores de uma sociedade sejam imutáveis, mas, para se ter esta certeza, ampla discussão e inúmeros debates devem nortear novos caminhos, precedidos de divulgação adequada e intensa para que o maior interessado, o cidadão, possa formar uma consciência, não apenas um conjunto de dados, mas uma real consciência crítica, através de sua concreta participação nos rumos a serem trilhados.

V - Considerações Finais

Diante das breves observações traçadas destacam-se alguns pontos de especial atenção.
O Brasil é um País de grandes perspectivas apesar das dissonâncias sociais existentes. De um lado a fome e de outro pesquisas avançadas para produção de alimentos transgênicos com propósitos de saciá-la com maior facilidade material. Também há o domínio de técnicas para clonagem de animais, técnica esta dominada por pouquíssimos países, com o fim de melhorar a qualidade da produção de alimentos de origem animal.
Também, verificam-se avanços significativos na detecção precoce de doenças graves, mediante pesquisa genética, enquanto o Poder Público não consegue assumir internação e tratamento de seus doentes e nem ao menos consegue pagar ao particular para assumir estes cuidados. São as disparidades sociais do Brasil.
Pensar em proteção do Meio Ambiente, tema da moda e politicamente correto, embora relegado a segundo plano quando dos estudos acadêmicos, é caminho a ser trilhado inarredavelmente. A preocupação com os problemas ambientais deve preceder catástrofes ou danos irreparáveis. Deve-se deixar de se preocupar somente com o ressarcimento financeiro empenhando-se com firmeza no combate preventivo e no retorno ao estado em que as coisas deveriam encontrar-se de acordo com os princípios e valores de nossa sociedade.
Como afirmou PERLINGIERI (2002), este é o momento de abandonar a lógica do ressarcimento e da patrimonialização do dano e privilegiar a função de reintegração de quanto foi violado. Há que se desvencilhar das concepções estatalistas, pois o ambiente é aspecto essencial do desenvolvimento da pessoa e cada um deve agir para ter direito ao seu habitat com qualidade de vida, que é o principal interesse a ser tutelado.
Para isso, há que se realizar amplo debate, difundir ao máximo as informações existentes, co-responsabilizando-se Estado e Cidadão, pois como afirmou JACOBI, a superação das barreiras sócio-institucionais é o caminho para a efetiva democratização e estímulo à co-responsabilização na defesa do interesse geral.
Divulgar ao cidadão comum os avanços científicos, por meio de ativa e permanente disseminação de informações através dos meios de comunicação de massa, trazendo a público o debate sobre benefícios e malefícios possíveis, promovendo audiências públicas com os diversos segmentos civis para ampla discussão dos rumos e limites das pesquisas científicas e seus resultados, confere qualidade à cidadania por fazer nascer uma consciência crítica. A sensibilização da coletividade sobre as questões ambientais tem início com a transformação do cidadão passivo em cidadão participante, capacitado a compreender a dimensão ambiental que o cerca para que possa opinar criticamente e escolher caminhos a serem seguidos com base nos valores construídos em uma sociedade democrática.

VI - Bibliografia

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro. Ed. Campus, 1992.
BARBOZA, Heloisa Helena. Princípios do Biodireito. Artigo. 2002.
CASABONA, Carlos Maria Romeo. Biotecnologia, Direito e Bioética: Perspectivas em Direito Comparado. Belo Horizonte: Del Rey e PUC Minas, 2002.
DICIONÁRIO JURÍDICO - Academia Brasileira de Letras Jurídicas, 2ª ed., Forense.
JACOBI, Pedro Roberto. Reflexões Sobre as Possibilidades de Inovação na Relação Poder Público-Sociedade Civil no Brasil.
NOVOS TEMAS DE BIODIREITO E BIOÉTICA / Organizadores: Heloísa Helena Barboza, Vicente de Paulo Barretto. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. Tradução de Maria Cristina De Cicco. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
TEMAS DE BIODIREITO E BIOÉTICA / Organizadores: Heloisa Helena Barboza, Vicente de Paulo Barreto. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

Criadora de papagaios apreendidos pelo Ibama obtém guarda definitiva dos animais




A 5.ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF1) manteve sentença da 16.ª Vara da Seção Judiciária de Minas Gerais que concedeu a guarda definitiva dos papagaios Tico, Teco e Lico à autora da ação, sob o argumento de que os pássaros encontram-se numa relação harmoniosa e benéfica para ambos os lados. A decisão, unânime, seguiu o voto do desembargador federal Souza Prudente.
A criadora dos papagaios impetrou mandado de segurança na Justiça Federal contra ato do responsável pelos Criadores Amadoristas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) requerendo a guarda definitiva dos pássaros apreendidos. O pedido foi julgado procedente pelo Juízo de primeiro grau, o que motivou a autarquia a recorrer ao TRF1.
Em suas razões recursais, o Ibama ponderou que o depósito doméstico exige uma série de requisitos. Acrescenta que, "se vigente e exequível fosse a Resolução nº 384/06 do Conama, apenas na hipótese da impossibilidade da soltura ou entrega a criadores registrados, far-se-ia possível, excepcionalmente, a concessão do depósito ao próprio infrator, desde que presentes os requisitos normativos, juízo técnico-administrativo que não pode ser exercido pelo Judiciário". O ente público também afirma ser "irregular a guarda dos animais, caracterizando infração administrativo-ambiental, motivo pelo qual legítima sua apreensão".
Ao analisar o caso, os magistrados que integram a 5.ª Turma ressaltaram que a atuação do poder público deve ocorrer no intuito de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações (Art. 255, da Constituição Federal). Entretanto, não é isso o que se verifica no processo em questão.
"Na espécie dos autos, os papagaios Tico, Teco e Lico, sem dúvida, já encontraram um novo habitat, com as características de integração do homem-natureza, em perfeito equilíbrio sócio-ambiental, onde o carinho humano, que se transmite aos pássaros, elimina-lhes as barras do cativeiro, proporcionando-lhes um ambiente familiar, ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida deles próprios", diz a decisão.
Ainda de acordo com o Colegiado, "retirá-los desse convício humano é cometer gravíssima agressão ambiental, o que não se recomenda, nem se permite, no caso". Com tais fundamentos, a 5.ª Turma negou provimento à apelação e manteve a guarda definitiva dos pássaros à sua criadora, conforme determinou a sentença de primeiro grau.
Processo nº 0020310-30.2008.4.01.3800
Fonte: Tribunal Regional Federal da 1ª Região

Suspenso licenciamento de hidrelétricas em aldeias

O licenciamento ambiental de três Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) na bacia do Rio Amambai, na fronteira de Mato Grosso do Sul com o Paraguai, deve ser imediatamente suspenso. Ele só poderá ser retomado após autorização da Fundação Nacional do Índio (Funai) e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
O Ministério Público constatou ainda que os Estudos de Impacto Ambiental apresentados não abrangeram o trabalho de recuperação de áreas degradadas ao longo do rio, já em andamento, nem medidas compensadoras de eventual supressão e deslocamento de áreas de preservação permanente e reserva legal das propriedades atingidas pelos empreendimentos. Houve, ainda, ausência de licenciamento ambiental de uma das PCHs planejadas. As audiências públicas obrigatórias não foram realizadas em conformidade com a lei e não tiveram participação da Funai nem do MPF.
A área que deverá ser impactada abrange terras indígenas, já consolidadas e em fase de estudo antropológico. Podem ser potencialmente afetadas, direta e indiretamente, as terras Indígenas Amambai, Guaimbé, Jaguari, Jarara e Rancho Jacaré, todas homologadas e demarcadas pelo governo federal.
No processo de licenciamento, não constam manifestação da Funai sobre o impacto dos empreendimentos em terras indígenas nem qualquer autorização do Iphan para a retirada dos sítios arqueológicos que existem na região. Para que o licenciamento seja levado adiante, a Funai deverá realizar consultas prévias às comunidades indígenas afetadas, para só então se manifestar. Já o Iphan tem que realizar estudos sobre o potencial de dano aos sítios arqueológicos existentes nas áreas impactadas pelas PCHs Foz do Saiju, Barra do Jaguari e Bela Vista, todas no Rio Amambai.
A Constituição Federal determina que os indígenas devem ser consultados sobre obras que impactem suas comunidades, o que não aconteceu. Estes fatores não foram levados em consideração pelo Imasul, órgão ambiental do governo do estado responsável pela concessão do licenciamento.
De acordo com os Relatórios de Impacto Ambiental, a PCH Foz do Saiju abrange os municípios de Amambai, Juti, Caarapó e Laguna Carapã. O empreendimento terá a capacidade instalada total de 20 megawatts e a estimativa do custo é de R$ 80 milhões de reais. Já a PCH Barra do Jaguari localiza-se entre os municípios de Amambai e Laguna Carapã, com capacidade para gerar até 29,7 megawatts. Estima-se o custo de R$ 118,8 milhões. Os dois projetos são da empresa Sigma Energia.
Há, ainda, a previsão de instalação da PCH Bela Vista na mesma bacia hidrográfica. O Imasul e Iphan têm 30 dias de prazo, a partir do recebimento, para responder se acatam ou não a Recomendação. A ausência de resposta poderá levar ao ajuizamento das ações cabíveis.

Fonte: Ministério Público Federal