ENTREVISTA
Philippe Pomier Layargues, biólogo e mestre em Ecologia Social
O biólogo e mestre em Ecologia Social Philippe Pomier Layargues defende a adoção de um enfoque complexo e multidisciplinar sobre a questão ambiental, em oposição ao "modelo tradicional" de Educação Ambiental.
Incorporada nos currículos, nas pautas de governo, em ações e projetos de ONGs, a Educação Ambiental está deixando de se apresentar como uma novidade no campo educacional formal e não-formal. O momento, entretanto, exige uma maior reflexão sobre suas conquistas e desafios.
Nesta entrevista, o biólogo e mestre em ecologia social Philippe Pomier Layargues, autor de ensaios sobre essa temática, realiza uma ampla análise sobre a natureza, demandas, conquistas e futuros desafios dessa proposta educativa ainda em gestação.
Philippe critica o enfoque reducionista do modelo tradicional de Educação Ambiental, que se debruça exclusivamente sobre as raízes da crise ambiental, voltando-se apenas para a mudança cultural. "É duvidosa a proposta de uma mudança unicamente cultural, sem que se proponha também uma mudança social, sobretudo nas relações produtivas e mercantis", enfatiza.
Por isso, Philippe defende uma Educação Ambiental crítica que, por adotar um enfoque complexo, se debruce tanto sobre o exame das raízes como das causas da crise e trabalhe a mudança cultural e a transformação social de modo simultâneo ao enfrentamento pedagógico da crise.
S&EA – Qual a sua análise da crise ambiental da atualidade?
Philippe – A crise ambiental contemporânea tem suas raízes na dimensão cultural, suas causas na dimensão econômica (relações sociais, produtivas e mercantis) e suas conseqüências na dimensão ecológica e social. Isso quer dizer que, por definição, a questão ambiental é de natureza complexa, não tangível por uma ou outra disciplina isoladamente.
S&EA – Você faz uma distinção entre as raízes da crise e suas causas. Poderia tornar mais clara tal distinção?
Philippe – As raízes da crise surgiram em processos históricos que se perderam no horizonte temporal humano, quando fundamos os paradigmas e visões de mundo que colocam a sociedade e a cultura em oposição à natureza, o ser humano como o legítimo detentor dos direitos sobre os benefícios da natureza. E a mudança cultural que a crise ambiental exige não é um processo que se realiza a curto prazo.
Já com relação às causas, estas não são tão longínquas como são as raízes, mas igualmente distantes no tempo histórico para que possamos atualmente estabelecer nexos causais estreitos. Há, no entanto, uma vinculação necessária entre o processo de acumulação do capital dos últimos dois séculos e a deflagração de crise ambiental.
S&EA – Ou seja, na sua visão, a natureza da crise ambiental atual é de ordem socioeconômica e política ?Philippe – A rigor, a crise ambiental diz respeito a uma questão distributiva: passa pela luta pelo equilíbrio, mutuamente acordado, na distribuição dos benefícios e prejuízos do uso dos recursos naturais, tanto em termos locais como globais, para toda a sociedade. Trata-se, em última análise, de uma questão de justiça social.
A clivagem social em tempos de crise ambiental repete a antiga divisão entre aqueles que se beneficiam das vantagens da modernidade e aqueles que são obrigados a conviver com as mazelas do ônus da modernidade.
O que é necessário frisar é que a geração de riquezas a partir dos recursos naturais comporta, necessariamente, um risco ecológico e social quando o critério decisivo da ação produtiva é a acumulação de capital.
S&EA – Você poderia desenvolver a idéia recorrente em seus trabalhos de que "a educação, inclusive a ambiental, pode ser transformadora ou apenas trabalhar para a manutenção do status quo"?
Philippe – Em primeiro lugar, é necessário frisar que a sociedade é o lugar do conflito, e não da harmonia. É nela que estão os verdadeiros desequilíbrios, e não na natureza, como nos acostumamos a perceber. E nas sociedades estratificadas em condições injustas invariavelmente existem estruturas de poder em constante e acirrada disputa pela prevalência de seus interesses.
Como a educação é um dos instrumentos ideológicos de reprodução social, nessa conjuntura sofre o reflexo do jogo do enfrentamento dessas forças e atua, seja no sentido da conservação social, seja no sentido da transformação social. Daí vem a concepção das correntes pedagógicas liberais ou progressistas como campos ideológicos na Educação.
S&EA – As práticas da Educação Ambiental também refletem essa cisão ideológica?
Philippe – Há um modelo tradicional de Educação Ambiental que, adotando um enfoque reducionista, debruça-se exclusivamente sobre as raízes da crise, ou seja, volta-se apenas para a mudança cultural. Já a Educação Ambiental crítica, por adotar um enfoque complexo, debruça-se tanto sobre o exame das raízes como das causas da crise, e procura trabalhar a mudança cultural e a transformação social de modo simultâneo ao enfrentamento pedagógico da crise.
S&EA – O que você quer dizer exatamente quando fala em "enfoque reducionista da EA"?
Philippe – É importante para o educador ambiental analisar o significado da crise ambiental, instaurada no processo interativo sociedade-natureza, a partir de uma ótica sociológica.
Desde as suas origens, a Educação Ambiental propõe, por exemplo, a substituição do antropocentrismo pelo ecocentrismo, paradigmas que englobam a substituição de valores como o individualismo e a competição por valores como o coletivismo e a cooperação. A questão é que não parece ser sensato ser cooperativo e agir coletivamente em prol da natureza, mas continuar a ser competitivo e agir individualmente em sociedade.
É duvidosa a proposta de uma mudança unicamente cultural, sem que se proponha também uma mudança social, sobretudo nas relações produtivas e mercantis.
S&EA – Qual seria, então, o papel dos educadores ambientais nesse contexto?
Philippe – É necessário que se desfaça a idéia, predominante entre os educadores ambientais, de que a crise ambiental é uma questão exclusivamente de natureza ética. Foi a racionalidade econômica que detonou uma crise ambiental que estava apenas latente até o momentoconstitutivo do capitalismo e de suas formas de acumulação do capital.
S&EA – E os currículos atuais refletem a ótica reducionista da EA?
Philippe – É preciso reavaliar as estruturas curriculares que favorecem quase exclusivamente os conceitos e conteúdos biologizantes, em detrimento dos conceitos e conteúdos sociológicos.
Isso significa que, ao examinar a crise ambiental na relação entre sociedade e natureza, a Educação Ambiental tem focado mais a natureza e menos a sociedade, estratégia que dificulta a percepção de fenômenos sociais que acarretam danos e riscos ambientais.
S&EA – Qual a sua análise com relação à Educação Ambiental praticada no Brasil?
Philippe – O Brasil está, provavelmente, assumindo a dianteira no sentido da criação de um novo modelo de Educação Ambiental que incorpora os valores da transformação social, comprometendo-se com a justiça social. Já existe uma produção acadêmica nacional que nomeia a nova Educação Ambiental como "crítica", "transformadora", "emancipatória", "popular", mas que, em todos os casos, entende que a crise ambiental, mais do que uma questão de ordem ética, é uma questão de ordem política. Tem muito pouco a ver com a criação de uma "consciência ecológica", mas muito com a "consciência crítica".
Trata-se de uma questão de natureza política por se tratar de disputas entre atores sociais que lutam tanto pelo acesso, uso, usufruto e abuso dos recursos naturais como pela responsabilização dos danos e riscos ambientais, caracterizada pela disputa pelo direito de poluir e pelo dever de restaurar o dano.
S&EA – Podemos falar, então, de projetos de EA, formais e não-formais, que provocaram ou estão provocando transformações em contextos sociais e ambientais no Brasil?
Philippe – Qualquer tentativa de resposta sobre a existência de casos de sucesso na Educação Ambiental brasileira – ou seja, que de fato se constituem em exemplos de construção de uma sociedade ao mesmo tempo ecologicamente sustentável e socialmente justa – será mera especulação. Afinal, nunca houve qualquer iniciativa sistemática para diagnosticar historicamente o que vem sendo praticado e pensado sobre a Educação Ambiental no Brasil desde seu surgimento.
Não dispomos de uma base de dados a esse respeito. O Brasil não possui informações consolidadas oriundas de todo o território nacional sequer para traçar o perfil do educador ambiental, muito menos para um panorama da Educação Ambiental pensada e praticada no país. Portanto, é urgente a necessidade de realizarmos debates, levantamentos, diagnósticos e inventários para que possamos conhecer minimamente o perfil da Educação Ambiental brasileira e, enfim, obtermos uma base concreta para o estabelecimento de políticas públicas coerentes.
S&EA – Qual é a sua análise da instituição da Política Nacional de Educação Ambiental?
Philippe – A lei representou um avanço, mas nem tanto. Primeiro, porque a instituição da Lei no 9795/99 foi precoce, já que ela precedeu a estruturação da organização social dos educadores ambientais que, como classe profissional qualificada e articulada, poderia apontar os rumos para a Educação Ambiental determinados pela sociedade. E, segundo, porque precedeu a estruturação de um corpo teórico que ancorasse a Política em bases científicas, que pudessem apontar com mais coerência e objetividade seu papel no sistema educacional.
Além disso, a lei poderia ainda ter explicitado a existência de dois possíveis modelos de Educação Ambiental, mas não o fez, definiu um único modelo como o legítimo a ser acompanhado.
S&EA – Como você vê o futuro da EA no Brasil?
Philippe – É grande a probabilidade de a Educação Ambiental brasileira apontar para o vetor da transformação social, após a instauração de uma discussão nacional a respeito desse tema – desde que realmente qualificada.
Para isso ser de fato viável, talvez seja necessária uma articulação maior entre a Educação Ambiental e a educação popular, ou seja, a EA deveria abrir-se um pouco mais com as forças sociais progressistas dentro e fora da escola.
A Educação Ambiental apresenta sinais promissores de mudança em seu foco: não apenas no sentido do surgimento de uma produção acadêmica com elevado rigor científico, profunda competência teórica e declarado compromisso social, como também no sentido da convergência do enfrentamento pedagógico simultâneo dos problemas ambientais e sociais, como deveria ter sido desde o início.
retirado do site http://www.senac.br/informativo/educambiental/EA_012002/entrevista.asp
quinta-feira, 23 de julho de 2009
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